por Renato Miranda
Todos aqueles que apreciam o esporte foram surpreendidos pela notícia de um suposto caso de doping envolvendo a atleta Rebeca Gusmão da natação brasileira. Em duas importantes competições, uma delas os Jogos Pan-americanos, há evidências de ingestão do hormônio masculino testosterona, o que é proibido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Natação (FINA). O controle, estudos, pesquisas e demais ações relativas ao doping são feitos pela WADA (do inglês, Agência Mundial de Antidoping). Portanto, os eventos de doping no esporte, são tratados de maneira rigorosa e por muita gente especializada no assunto.
Sem querer fazer juízo de valor no caso da atleta Rebeca Gusmão, aproveitamos os fatos para escrever ao nosso leitor sobre o porquê de pessoas se motivarem tanto para atingir seus objetivos, seja por meios ilícitos ou ainda se o seu comportamento vai prejudicar uma ou mais pessoas envolvidas na ação. Isso vale tanto para o esporte como para os desafios de uma vida comum.
Orientação tarefa e orientação ego
Ao considerarmos a motivação como uma energia psicofísica que nos impulsiona em direção a um determinado objetivo a fim de satisfazer uma necessidade pessoal (entenda necessidade como tudo aquilo que é importante para alguém), podemos inferir que essa energia – motivação – é orientada pelos valores pessoais da vida da pessoa, nesse caso, temos dois tipos de orientação: a primeira é a Orientação Tarefa, a segunda é a Orientação EGO.
As pessoas do Tipo Tarefa, ao executarem as tarefas de maneira corretamente, se sentem realizadas. Para elas não basta fazer algo importante, é preciso que seja de maneira correta, sem ferir regras sociais. No caso do esporte, significa fazer o que tem de ser feito da forma tecnicamente perfeita e de maneira limpa, o COI e a FIFA chamam esse comportamento de fair-play (jogo limpo, em inglês).
Se por ventura encontram obstáculos ou dificuldades, não desanimam, muito pelo contrário, sentem-se encorajadas e motivadas a se esforçarem, para enfrentar direito o desafio. São aqueles esportistas, por exemplo, que enquanto não conseguem desenvolver alguma técnica de maneira excelente não param de treinar até que tenham a clara percepção que estejam fazendo o gesto perfeito ou ao menos aceitável pelo técnico e/ou por elas mesmas.
As pessoas orientadas pela Tarefa ao vislumbrarem a possibilidade de usar meios ilícitos ou agressivos, para conseguir a vitória no esporte ou sucesso na vida, não utilizam desses meios, porque consideram não ter sentido atingir objetivos dessa maneira. Essa característica é representada desde cedo pelas crianças através da frase: “… assim não tem graça!”.
Sentimento autotélico
Por último, pessoas orientadas pela Tarefa fazem atividades com um sentimento autotélico muito forte. Autotélico (a) é uma palavra originada da união de duas palavras gregas, auto que significa por (ou de) si mesmo, e telos que significa finalidade. Daí a idéia de que uma experiência autotélica refere-se a uma atividade auto-suficiente, envolvente, realizada sem a expectativa de algum benefício futuro, mas simplesmente porque realiza-la é a própria recompensa. O interessante no esporte competitivo é que esse sentimento antes de afastar o atleta da vitória, já que sua energia motivadora não está direcionada para a vitória, mas para a tarefa que ele tem que fazer, muito pelo contrário, cria relaxamento, torna a pressão pela vitória menos intensa e suas atitudes fluem naturalmente em direção ao sucesso. Toda essa idéia pode ser resumida na seguinte frase proferida por vários atletas antes de competições: “… vou dar o meu melhor!”.
Pessoas do Tipo Ego se realizam quando conquistam algo ou vencem alguém, o que aproxima a idéia de ser o melhor e não fazer o melhor. Para elas, auto-realização significa vencer alguém e mais, alimentam a idéia de que as pessoas só têm valor quando derrotam os outros e o referencial de avaliação é sempre externo, ou seja, o reconhecimento social é o que mais importa. No esporte, atletas do tipo Ego se preocupam excessivamente em obter vitória a qualquer custo e o seu sucesso está acima da equipe, do grupo de trabalho e até mesmo das conseqüências de suas atitudes para obter a glória.
Além disso, quando percebem ou se deparam com severas dificuldades ou adversários com melhor desempenho perdem a motivação, ficam com medo ou desistem do desafio. É aquele atleta que mediante uma situação adversa, como superar novas exigências de treinamento, simula contusões, cria ambiente hostil e desenvolve comportamento indisciplinado, ademais quando esse atleta é bom, mas não consegue superar as dificuldades, coloca a culpa na arbitragem, no comportamento do adversário, nos companheiros ou em outro motivo qualquer.
Assumir atitudes ilegais e injustas é natural
Pessoas do tipo Ego, ao terem possibilidades em usar recursos ilícitos ou agressivos, não pensam duas vezes, para vencer adversários ou superar adversidades, aceitam naturalmente assumir atitudes ilegais e injustas. No esporte o exemplo típico dessa característica é o uso de substâncias ilegais para a melhoria do desempenho (doping). São vários os casos já revelados sobre atletas que se doparam para tentarem obter sucesso, mesmo pagando um “alto preço”, como prejudicar sua saúde por causa dos efeitos colaterais do doping ou problemas que poderá criar para as outras pessoas, desde colegas de equipe até a família.
Decerto conhecemos no esporte e na de vida de cada um de nós, pessoas com orientação Ego e Tarefa que obtiveram sucesso independentemente de sua orientação da motivação. No entanto, a orientação para a Tarefa identifica uma vida mais exemplar e de melhor proveito, afinal vencer no esporte ou na vida cotidiana através de comportamentos socialmente indesejáveis ou por meio de recursos ilícitos perde toda a graça e o sentido da vida. Se o caminho do sucesso no esporte é treinar e competir honestamente, assim será e se formos realmente o melhor a vitória chegará se não, a busca honesta pelo sucesso, a dedicação e a disciplina já serão suficientes para nos engrandecer e servirão como base para outras e novas conquistas.
Talvez esse texto ajude a entender o porquê de atletas se doparem, talvez não. O fato é que o doping além de ser ilegal ilude e prejudica as pessoas. Se a hipótese de doping da Rebeca Gusmão se confirmar avalie apenas o lado do resultado esportivo: Perderá todas as medalhas conquistadas no Pan 2007, suas companheiras do revezamento também perderão as suas, os Jogos perderão o status dos Jogos mais limpos dos últimos tempos, Rebeca poderá ser banida do esporte. Além disso, mesmo com o doping, isso não seria garantia de sucesso nos Jogos Olímpicos.
Por fim, uma coisa é certa: o doping no esporte de alto nível cria nos torcedores e adversários a realidade do engano e para o atleta dopado a fantasia de um sucesso, que na verdade, é uma grande mentira. Uma mentira sem graça!