por NPPI – Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática – PUC/SP
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Algumas das características desse 'novo' canal de comunicação parecem reforçar seu poder de atração. O que tanto atrai as pessoas na Internet? O que as prende, por horas a fio, frente ao monitor? A quebra de noção de tempo e espaço é um dos fatores. A Internet é acessível 24 horas ao dia, e leva o usuário a qualquer lugar do mundo. A interatividade imediata, possível nessa comunicação, parece ser outro fator relevante.
A WEB dá ainda, ao usuário, a possibilidade de brincar com a própria identidade, permitindo que a pessoa experimente outros papéis, diferentes dos vividos no seu dia-a-dia: Por exemplo: ao navegar, a mulher pode fingir ser um homem, ou a criança pode tentar fazer-se de adulto!
Além disso, ao lado da interatividade, a Rede permite o anonimato ao usuário. Uma pessoa pode entrar na 'sala de bate-papo', agredir todos os participantes e, em seguida, ´sair da sala´ sem ser identificada. O descompromisso é outro fator que atrai o internauta, pois o usuário pode conversar com uma pessoa por um tempo maior ou menor, mas pode também ´sumir´, se não mais quiser falar com ela.
Outro 'encanto' da WEB é passar, por vezes, a impressão de que as pessoas ali presentes, ainda que virtualmente, estão unidas. O internauta se sente como que pertencendo a uma comunidade (ou como membro de uma tribo) o que pode criar também a sensação de estar em um ambiente seguro para realizar suas experimentações, e eventualmente, suas fantasias.
A Internet já foi bastante exaltada pelas vantagens que oferece ao homem moderno: a principal delas talvez seja o rompimento da barreira do espaço e do tempo, aliada à imensa quantidade de informação que permite acumular e partilhar. Por outro lado, assim como o sono cria um ambiente para o sonho, a Internet também parece criar um ambiente propício para os nossos ´sonhos virtuais´. Essa sedução pode levar a dois caminhos: atrair e escravizar os usuários, que passam horas hipnotizados navegando na rede, prejudicando suas relações pessoais e profissionais; ou propiciar o encaminhamento positivo desse envolvimento.
Podemos citar aqui um exemplo do segundo caso: um estudante Rafael Fijalkovisky percebeu que estava usando o chat de forma exagerada. "Estava deixando de lado os estudos e os amigos para ficar no bate-papo"(sic). Por essa razão, ele resolveu lutar contra o problema. Hoje não é mais um dependente, e criou o site "Vircio" (http://www.vircio.org) que oferece auxílio aqueles que se sentem dominados pela Internet.
Durante o atendimento de um dependente da Internet procuramos descobrir a função que tal uso abusivo da informática pode estar desempenhando em sua vida, pois esse fator – bastante individual – poderá ser o fio condutor do trabalho terapêutico. Podemos citar o caso de um rapaz que havia perdido seu melhor amigo e, por essa razão passou a acessar mais intensamente a Internet.
Outro paciente era um garoto que fazia do computador a sua 'morada', seu lar, uma vez que seus pais eram separados e ele não tinha um lar fixo, pois transitava entre as duas moradias de seus pais. Tivemos também contato com um caso em que a pessoa – que habitualmente "virava as noites conectada" – chegou a necessitar de internação hospitalar: Havia ficado sem comer por dois dias seguidos, por sentir falta do seu computador que estava em manutenção.
Sem ferir a legislação local, em alguns países a própria rede já oferece recursos para o atendimento destes casos. Existe por exemplo o site "Center for On-Line Addiction", onde o dependente tem oportunidade de se consultar em inglês. Para tanto, é necessário pagar uma taxa. No endereço http://www.netaddiction.com há também uma seção de perguntas e respostas sobre o assunto. O internauta pode ainda se submeter a testes, e verificar se é dependente da Internet, de cybersexo, de compras online ou de leilões online. Segundo os padrões adotados por esse grupo de pesquisa, estas modalidades de comportamentos são exemplos de formas especificas de dependências da Net!
A grande dificuldade que temos encontrado no trabalho proposto no NPPI é o fato de que, de modo geral, o dependente de Internet tem dificuldade em reconhecer-se como alguém que vive um problema. Dentro desta condição, este possível dependente não padece de sintomas tão dramáticos quanto, por exemplo, os de um dependente químico. Com maior freqüência quem nos procura são pessoas relacionadas aos dependentes, preocupados que estão com algum familiar, amigo ou colega, a quem vêm como necessitado de ajuda. Mas, para que o atendimento psicológico efetivamente ocorra, é necessário que a própria pessoa queira receber tal auxílio, e o primeiro passo nessa direção é reconhecer-se como portador de uma dificuldade.
Pais preocupados com seus filhos e esposas inconformadas com o exagero de seus maridos na Internet já procuraram os profissionais do NPPI. Em tais casos, nossa atuação se caracteriza como uma oferta de orientação à pessoa que nos procura, sobre os procedimentos que poderá adotar frente ao seu familiar, além da oferta de nossa disponibilidade, para o caso da pessoa em questão aceitar a oferta de um atendimento terapêutico presencial.
Alguns sintomas revelam quando o internauta é dependente da WEB. Por exemplo, ele pode passar a mentir ou esconder o real tempo em que fica conectado à Rede. Outro exemplo é o de uma senhora ficava preparada para exibir um arquivo de Word, caso alguém chegasse, para não ser pega no ´flagrante´, ou seja, navegando na Internet!
O dependente da Internet costuma ficar ansioso para entrar na Rede, e tende a ficar mais aflito com os problemas de conexão do que usuário comum. Quando navega, ele perde a noção do tempo, chegando a deixar de se alimentar ou dormir. Além disso: o encerramento da navegação costuma ser prorrogado por esse internauta, que tem dificuldades, literalmente, em se desvencilhar da Rede. A paixão pela Internet chega a ser tão grande, que o dependente pode passar a preferir as relações virtuais às ´reais´. Ele tende a preterir o que há para fazer lá fora, no mundo, para permanecer navegando.
A equipe do NPPI prefere não usar a palavra "viciado" para mencionar os dependentes da Internet. De modo geral, em Psicologias quando se fala em "vicio", pressupõe-se a existência da dependência do uso ou ingestão de alguma substância, tal como álcool, ou drogas ilícitas. O termo "vício" é, por si só, estigmatizante. Citaremos no próximo artigo alguns dos principais sinais da dependência do uso da Net.
* Texto composto por Rosa Maria Farah e Ivelise Fortim de Campos a partir dos registros das entrevistas de orientação à comunidade, solicitadas ao NPPI: Núcleo de Pesquisas sobre Psicologia e Informática, da Clínica Psicológica da PUC-SP.