Estamos na era do improvável, do imprevisível. O inesperado tornou-se a marca do desconhecido caminho que temos de percorrer sem calçado adequado para nos proteger. Tropeçamos na realidade e nem sempre conseguimos nos manter firmes. O solo tem nos amparado.
O luto circunda nossa trajetória. Tanto o luto tangível – concreto, caracterizado pela morte física – quanto o luto intangível, abstrato, caracterizado pelo acervo de sintomas que levam para longe o equilíbrio psíquico.
Por outro lado, vemos o ajuste forçado ao desconhecido, desnorteando indivíduos em suas funções psíquicas mais elementares e fazendo despencar prontidão para os temas, até então, tocados e direcionados sem ansiedade de nenhuma natureza.
Faço o que preciso ou faço o que quero?
Perdemos certezas e, por isso, nos atrapalhamos entre o exercício da liberdade (fazer o que preciso) e o voluntarismo (fazer o que quero).
Na ausência de teofanias espetaculares seguimos feridos, ora fugindo da realidade e vivendo irresponsavelmente, ora nos encastelando e dilatando nossos temores e defesas.
E nossa sensibilidade? Não pode ser uma aliada? Pode, desde que equilibrada. A sensibilidade é a capacidade daqueles que sentem o modo de olharmos para as coisas à nossa volta e o jeito como pensamos sobre elas. É o conjunto dos nossos sentimentos e sensações e como os expressamos. É uma característica importantíssima porque o uso da razão e produção do pensamento dependem desse toque inicial.
Vemos quinas da sensibilidade nos mais sutis componentes da conduta humana. Nem sempre, porém, conseguimos ser transparentes e, de fato, compreender nossos sentimentos, muito menos expressá-los. Os próprios mecanismos de defesa, tecidos ao longo da história pessoal, podem se encarregar de mascarar a verdade que lateja no mais profundo do nosso íntimo.
Como sublimar as tensões?
A sensibilidade pode ser alavancada pela arte, compreendendo-a como todo trabalho criativo que se faz consciente/inconscientemente com intenção estética. A beleza nos salva do absurdo. A arte tem várias funções na vida do homem. Além de estimular a sensibilidade, estimula a percepção, a cognição, a expressão e a criatividade. Por meio dela, o homem formaliza e personaliza suas crenças, sonhos, medos, corporizando até o desconhecido, o inexplicável, o insólito que ele acusa em suas interpretações e recriações das cenas de si mesmo e dos outros. Assim, vai sublimando tensões, impulsos, complexos, traumas e outros tantos desvãos da vida.
O modelo social contemporâneo não contempla de modo significativo o jeito sensível, mas o jeito mecânico de ser. Que pena…
É exatamente na era do indizível que nossa fragilidade se esparrama. Somos tão impotentes, frágeis. Precisamos tanto de algum opiáceo para nossas dores, solidão, finitude, medos, desassossego. Somos marcados pelos nossos limites e necessidade de proteção.
Frente às crises: sou um amador ou um profissional?
Estamos todos no mesmo túnel. Não planejávamos entrar, no entanto, quando percebemos, já estávamos dentro dele em uma crise inimaginável. As crises separam amadores de profissionais a partir de suas vivências enquanto seres humanos. Uns podem melhorar, outros ficam do mesmo jeito e outros pioram muito.
Essa pandemia nos convida à construção de uma ética que nos reúna em torno das mesmas urgências. Mas o que vemos é um trajeto atabalhoado. Esquecemos que a dor que dói em mim é a mesma que dói no mundo.
Como você quer estar quando sair desse túnel?
Eu quero estar com minha sensibilidade mais refinada, ser mais confiável, mais disponível. Quero ser alguém que realmente venha a fazer diferença, que o outro em desconforto escolha estar ao meu lado.
Quero estar estimulado pelo que vivi no túnel e seus avessos, a agir mais pela compaixão do que pela obrigação. Quero entender mais de amor e de conjugalidade, cujas ações representem uma ideologia ainda mais sagrada, por não ser tão pragmática e agir não apenas porque acredita que vai dar certo, mas porque acredita que é o certo fazer. Alguém que, ao final do dia, sinta que trouxe um pedacinho do céu à terra.
O que estou construindo?
O cotidiano é nossa matéria-prima. É na percepção das nossas escolhas que temos chances de identificar o que estamos construindo. O mais importante não é o que a vida fez para mim, mas o que tenho me permitido fazer com o que ela fez.
Os avessos da vida nunca terminarão, serão apenas amenizados. Por isso, sopre esperança sobre a realidade, como bem traduziu Mia Couto: “o que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro “.