por Monica Aiub
Continuemos com nossa Epistemologia do Riso. No artigo assim intitulado (clique aqui) apontei o riso como forma de quebrar os automatismos, de denunciar atitudes mecânicas e, principalmente, como um caminho para a aprendizagem sobre o mundo e sobre nós mesmos. Agora trago como questão o riso como semiose. “Em Filosofia Clínica, semiose significa o que a pessoa usa para se expressar”, afirma Packter em seu livro, Semiose. Você já utilizou o riso como forma, como veículo de expressão?
Em seu livro, O riso, Bergson afirma que “É cômica toda combinação de atos e de acontecimentos que nos dê, inseridas uma na outra, a ilusão de vida e a sensação nítida de arranjo mecânico”. Ao analisar de onde provém a comicidade da repetição, ele demonstra que a repetição não é risível por si mesma, isoladamente. Sua comicidade se revela na medida em que seu significado denuncia a mecanicidade da situação, a rigidez, a necessidade de correção.
Você já precisou corrigir alguém que, sem perceber, estava preso em sua rigidez, em ações mecânicas, repetitivas? Como fez isso? Qual a reação da pessoa que você “corrigiu”? Funcionou?
Algumas pessoas sentem-se constrangidas ao se depararem com a necessidade de “corrigir” alguém. Há casos em que somente a ideia de tal necessidade gera um verdadeiro pavor: Como vou dizer isso a ele(a)? Será que ele(a) não ficará ofendido(a)? Que direito tenho de provocá-lo(a) a pensar em sua postura, em sua ação? E você, já passou pela situação de alguém tentar “corrigir” sua rigidez, sua mecanicidade? Como o outro tentou lhe “corrigir”? O que você sentiu? Como reagiu?
Há pessoas que optam pela comicidade, pelo riso, para tentar provocar o outro a refletir sobre sua ação, o que pode tornar a situação mais leve, mais facilmente compreendida, visto ter o riso o papel de denunciar os automatismos. Há até quem ria de si mesmo com tal objetivo.
Para que alguém necessitaria denunciar a si mesmo seus automatismos? Você já se percebeu com comportamentos ou posicionamentos mecânicos, repetitivos? Observe as piadas sobre as profissões, como nos provoca a observar Bergson: não são elas exatamente a denúncia de tais mecanismos repetitivos de certas profissões para os próprios profissionais, que nem sempre se percebem em suas ações?
Mas como compreender o sentido do riso quando ele é utilizado como veículo de expressão?
Bergson nos alerta sobre a necessidade de distinguirmos a comicidade que a linguagem exprime da comicidade que a linguagem cria. A linguagem exprime comicidade em suas frases prontas, esteriotipadas. “Uma personagem que se exprimisse sempre nesse estilo seria invariavelmente cômica. Mas, para que uma frase isolada seja cômica por si mesma, uma vez desligada daquele que a pronuncia, não basta que seja uma frase pronta, é preciso também que contenha em si um sinal no qual reconheçamos, sem hesitação possível, que ela foi pronunciada automaticamente”.
Repetição, inversão e interferência são, segundo Bergson, formas de tornar cômicas algumas séries de acontecimentos. Mas essas mesmas formas podem ser aplicadas à linguagem, gerando a comicidade linguística. No caso da inversão, inverte-se a frase, colocando-se o sujeito no lugar do objeto e o objeto no lugar do sujeito. No exemplo de Bergson: “Por que o senhor joga a sujeira do seu cachimbo no meu terraço?”; “Por que o senhor põe o seu terraço debaixo do meu cachimbo?”. Na interferência, diferentes sistemas, nos quais uma mesma frase tem significados distintos, são sobrepostos, gerando uma interferência entre os significados. Já a repetição surge, na linguagem, como transposição: “obtém-se o efeito cômico transpondo para outro tom a expressão natural de uma ideia” (Bergson).
Seja a comicidade expressa ou criada pela linguagem, ela expressa a denúncia aos automatismos que nos fazem perder a dimensão de nossa humanidade. Ela delata nossas extremas e inatingíveis exigências para conosco que, por vezes, tornam nossas vidas inviáveis. Ela provoca a reflexão sobre as formas como nos relacionamos, sentimos, pensamos, vivemos. Ela expressa nossa insatisfação, nossas angústias, nosso sofrimento. Mas ela também nos permite tornar nossas ações risíveis e, com isso, trazer à tona a leveza da vida.
Nossos dados de semiose podem ser os mais variados, mas é possível expressar ao outro, ao mundo e até a si mesmo aquilo que se pensa, que se vive, que se é. Rir de si mesmo, como citado no artigo sobre a Epistemologia do Riso, é um bom caminho para a construção de si mesmo. Você já riu de si mesmo? Que tal utilizar mais o humor como dado de semiose? Isso facilitaria ou dificultaria sua expressão?
Referências Bibliográficas:
BERGSON, H. O Riso: ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
PACKTER, L. Semiose. Florianópolis: Garapuvu, 2003).