por Aurea Afonso Caetano
“Trabalho em redor da imagem do sonho e desprezo qualquer tentativa do sonhador para dela escapar. Inúmeras vezes, na minha atividade profissional, tive de repetir a frase: “Vamos voltar ao sonho? O que dizia o seu sonho?” (Jung, O homem e seus símbolos, pg. 29).
Como pensar na utilização de “manuais de interpretação de sonhos” se o sonho tem um sentido específico para o sonhador?
Bancas de jornais têm sempre algum tipo de manual de interpretação de sonhos. Conheço pessoas mais antigas que utilizavam as imagens do sonho como dicas para apostas no jogo do bicho e até para tomar decisões na vida cotidiana. Tomando as imagens e símbolos que aparecem nos sonhos de forma literal, essas pessoas acabam por retirar do sonho (e de sua vida) toda a sutileza de aspectos mais profundos, perdendo muito das possibilidades criativas que eles trazem.
Ora, utilizar um sonho para decidir algum aspecto da vida, é quase não se responsabilizar por atitudes e escolhas. É como se pudéssemos pensar em um outro, mais sábio, dentro de nós de que podemos lançar mão em uma tentativa de dirimir nosso eu consciente de suas responsabilidades. E, como se esse outro interno, que julgamos mais sábio, não fosse mais um aspecto nosso.
A grande questão sempre é descobrir como compreender o dentro e o fora, o que é consciente e o que é inconsciente ou conteúdos que surgem na vigília e os que surgem durante o sono. Esse, o material onírico, sempre nos dará dicas de aspectos de nosso ser dos quais temos pouca ou nenhuma consciência. Mas, para podermos utilizar esse material de forma criativa e enriquecedora para nossa psique (mente), temos de trabalhar com o que chamamos “função transcendente” ou, ponte entre material do consciente e do inconsciente, função intermediadora ou de ligação entre estes dois mundos.
Então, ao trabalhar com um sonho, preciso sempre ter em mente qual a história atual do sonhador, qual o contexto no qual surgiu o sonho, quais suas sensações ao acordar, se era um sonho ou pesadelo e mais ainda, quais as associações que o sonhador faz com as imagens que nele aparecem. Era isso a que Jung se referia na epígrafe acima.
O que é que quer dizer, para mim, aquele sonho?
Um sonho terá seu sentido alterado a depender de muitas variáveis. Então, pensando no sonho da moça que sonha estar às vésperas do casamento e não encontrar seu vestido de noiva, faz toda a diferença pensar se a moça namora ou não, se estão pensando em se casar, se o vestido de noiva é algo importante para ela ou apenas mera formalidade social. Se acabou de se comprometer com um moço ou ao contrário, acabou de terminar uma relação. Uma mesma imagem pode ter vários sentidos diferentes e mobilizar muitos aspectos diferentes.
Podemos sempre pensar no vestido de noiva como um motivo universal, mas seu sentido vai variar a depender do contexto e da época no qual aparece. Um sonho com esse material, sonhado por uma viúva terá, com certeza, um sentido muito diferente do que vai surgir quando surge no sonho de uma moça que já está envelhecendo e não conseguiu encontrar ainda um noivo. Ou ainda, para uma moça muito ligada no social, a ponto de valorizar especialmente as aparências ou aquela que ao contrário é tão desligada das aparências que não olha para fora.
A cada momento, para cada sonhador, aspectos diferentes podem ser levantados e trabalhados. Não é possível trabalhar com manuais.