por Dulce Magalhães
“O brasileiro vive se desculpando pelos bons resultados de sua vida e se sentindo culpado pelo sucesso acima da média de seus pares”
A globalização ainda não chegou ao Brasil. Calma! Antes de afirmar que isto é um absurdo, vamos analisar o inconsciente coletivo brasileiro. Pelo menos nesse quesito continuamos como no tempo inglório de Colônia Portuguesa.
Quando estava morando em Nova York, onde concluía a etapa acadêmica de meu doutorado, todas as noites, motivada por um frio de até dez graus abaixo de zero, ficava em meu apartamento estudando e praticando o mais popular dos esportes: zapear os canais da televisão.
Acompanhei diariamente os noticiários televisivos e nos intervalos lia o “The New York Times” de domingo, que leva-se quase duas semanas para se ler todo. Posso afirmar que a TV e o jornal americanos não são extraordinários, como se podia imaginar de veículos de “primeiro mundo”, entretanto estão longe de serem medíocres. Principalmente em relação ao ambiente psicológico que eles criam.
Como toda mídia, noticiam más notícias, acidentes, desastres, vilões, erros do governo… Entretanto, não é apenas esse o teor de seu conteúdo. Os telejornais americanos iniciam e terminam seus noticiários com boas notícias, contam histórias de empreendedores, mostram exemplos de cidadania, conversam com especialistas que sugerem soluções, mostram o cidadão comum em seu papel de herói moderno, exaltam o sonho, a coragem, o trabalho. O TNYT, como um dos mais influentes jornais americanos, está recheado de boas histórias, bons exemplos e boas notícias.
Ao ser exposto à mídia americana, você é influenciado a agir, fica entusiasmado com a ideia de abrir um negócio, voltar a estudar, lutar por seus direitos como consumidor, agir como cidadão. O americano médio talvez tenha menos cultura geral e desconhece mais do mundo do que o brasileiro médio, pelo menos é o que aparece no anedotário geral. Contudo, ele é mais entusiasmado, mais confiante em seu país, mais orgulhoso de suas possibilidades, e isso definitivamente muda o rumo de toda a história.
No Brasil a mídia tem sido o arauto da tragédia. Estamos sempre à beira de um colapso, na fina linha entre a sobrevivência e o suicídio. Com exceção de alguns veículos impressos e noticiários de negócios, ou até mesmo neste portal onde escrevo, toda notícia no Brasil leva um ar de “coitadinhos de nós”. Na primeira noite que assisti a um telejornal, assim que retornei ao Brasil, fiquei emocionada em sessenta por cento do tempo e chorei, chorei com a notícia final. Ao comentar com amigos, vários afirmaram ter sentido a mesma emoção. O problema que é as reportagens mostravam crianças carentes sem chance, tragédias familiares, injustiças sociais.
Concordo que essas mazelas precisam ser denunciadas e combatidas, mas não apresentou-se nenhuma, absolutamente nenhuma solução. Dificilmente se veem exemplos positivos no noticiário brasileiro, e quando se apresenta, é sempre com uma forte dose de sacrifício, dificuldade e autonegação. O herói brasileiro é antipopular. Ele sofre, vive em dificuldades, mas tem bom coração, divide o pouco que tem com menos afortunados. Todo mundo admira, todavia ninguém quer ser esse abnegado. Essa imagem se contrapõe à personagem dos bens-sucedidos e vitoriosos que, ao compartilhar sua glória, estão apenas fazendo “demagogia”.
Sucesso é visto com desconfiança
O sucesso no Brasil é sempre visto com desconfiança, sempre apontado como de origem duvidosa, ligado a negócios ilícitos. O empreendedor é um jogador irresponsável, o empresário triunfante é um explorador de mão de obra barata e vive das benesses governamentais. A frase “sou pobre, mas sou honesto” cria um sinônimo para pobreza que descarta o sucesso financeiro. A mídia apenas reforça esse imaginário tão popular. Ao término do telejornal, por exemplo, dá uma angústia enorme, uma vontade de parar de investir, de fechar a empresa, de diminuir a atividade, de se encolher e se fechar num casulo protetor, fora do risco. Isso cria uma ambivalência no indivíduo que aspira conforto, bem-estar e tranquilidade financeira. Lutamos pelo sucesso, porém não podemos jamais dar sinais de “ostentação” de nosso triunfo.
A verdade é que o brasileiro vive se desculpando pelos bons resultados de sua vida e se sentindo culpado pelo sucesso acima da média de seus pares. O herói atual é aquele que divide o salário desemprego com os vizinhos necessitados, pode parecer um exagero, mas na verdade foi uma notícia que saiu na televisão! Devemos rever nosso check list para criação de ícones: ele deve investir seu salário desemprego num negócio de fundo de quintal, que vai crescendo, emprega dezenas de pessoas, depois centenas, depois milhares, ganha mercados, faz diferença de qualidade na vida do consumidor, transforma a sociedade e enriquece o Brasil. Esse herói é que pode alterar para melhor nosso destino, o restante é só apelo emocional que nos leva a lágrimas e a mais nenhum lugar.