por Gilberto Coutinho
Na segunda parte deste artigo de uma série de três explicarei o prâna. Para ler a primeira parte clique aqui.
Para os grandes sábios védicos e yogues da antiga Índia, a respiração é uma manifestação do prâna – bioenergia, energia da vida ou força vital que a sustenta –, presente na natureza, em todo o universo, a soma de todas as energias manifestas no universo ou das forças da natureza; meio pelo qual a vida nos seres vivos se mantém.
Para os yogues, a respiração pode ser comparada ao próprio Brahman (o Absoluto, o fundamento transcendente da existência), e o prâna não significa apenas o oxigênio. Os yogues também compreendem que todas as forças e poderes do prâna se originam de uma única fonte: Atman (o si mesmo transcendente, idêntico ao Absoluto, Brahman); para eles, quem conhece o prâna conhece os Vedas – as quatro escrituras antigas e sagradas da Índia. É por tal razão que os yogues dão enorme importância à respiração e ao seu devido controle, mediante técnicas especiais: exercícios respiratórios (pránáyámas) e gestos simbólicos feitos com os dedos das mãos (mudrás).
Além da respiração, os seres humanos também absorvem o prâna através do consumo de alimentos frescos e saudáveis, da água pura, da luz do sol, do contato com a terra e a natureza. Segundo o Samkhya – uma das seis escolas clássicas de pensamento da antiga Índia, ciência-irmã do Yoga –, o prâna é a primeira manifestação de Shakti (o aspecto feminino do criador).
Contraditoriamente, o oxigênio, ou o metabolismo à base de oxigênio, que mantém os seres humanos vivos e respirando – fundamentais às suas vidas –, é também o responsável pelo seu envelhecimento, pelo surgimento das doenças que afetam os diversos órgãos e sistemas e também pela sua morte.
Em 1954, o processo natural de envelhecimento do organismo foi relacionado à ação contínua dos radicais livres. De todo oxigênio absorvido pela célula, cerca de 95% são transformados em energia para sua própria subsistência, e 5% são convertidos em radicais livres de oxigênio. A combustão de nutrientes, no interior das células, gera continuadamente a formação de radicais livres, moléculas altamente reativas e tóxicas. Ao reagir com as células, os radicais livres, aos poucos, danificam as suas estruturas e o seu DNA, alteram as proteínas, os lipídios e os carboidratos, enrijecem as artérias, danificam os tecidos, etc.
Segundo os cientistas, o organismo humano necessita de uma pequena quantidade de radicais livres para que esses sejam utilizados em algumas reações fisiológicas específicas: na eliminação de bactérias fagocitadas pelos neutrófilos (células sanguíneas leucocitárias que fazem parte do sistema imunológico). Na tentativa de se neutralizar completamente a produção de radicais livres, com o objetivo de bloquear a sua formação, interfere-se na bioquímica e nas defesas naturais do próprio organismo.
Nesse sentido, o Yoga também pode apresentar alternativas, ser uma luz no final do túnel. As pessoas muito poderiam se beneficiar com a prática diária dos ensinamentos e das técnicas yogues. Não é por acaso que os maiores esportistas do mundo – alpinistas, mergulhadores, corredores, ginastas, etc., procuram os yogues para aprender as técnicas de controle mental, da respiração e do corpo, e assim melhorar o condicionamento cardiorrespiratório e as suas performances.
Cada vez mais, pessoas do mundo inteiro têm procurado o Yoga com o intuito de desenvolver a concentração, aprender a meditar, aprimorar a coordenação motora e a psicomotricidade; ampliar a capacidade respiratória, combater o estresse, estimular a reorganização neurofuncional, dentre outras tantas razões.
Segundo recentes estimativas, só nos Estados Unidos, o número de praticantes de Yoga alcança a marca de 25 milhões e movimenta um mercado de US$ 6 bilhões; no Brasil, são cerca de 5 milhões de pessoas. Na Índia, desde tempos remotos – muito antes de Cristo –, yogues já empregavam uma dieta sattva (pura e saudável, que favorece a prática da concentração e meditação; a mais elevada das qualidades primárias da natureza), pránáyámas (exercícios respiratórios) e mudrás (gestos simbólicos feitos com os dedos das mãos), dentre outras técnicas, como ásanas (posições psicofísicas), concentração (dharana), meditação (dhyana), relaxamento neuropsíquico e muscular (yoganidrá) e mantras (sons “sagrados” que auxiliam a concentração e a transcendência dos estados comuns de consciência), com o objetivo de desenvolver o autocontrole, promover e preservar o equilíbrio psicofisiológico, o bem-estar, a saúde, a lucidez, o discernimento mental, o domínio sobre o prâna, a espiritualidade e a longevidade.
Alguns yogues conseguem preservar a juventude e a saúde do corpo físico por muito tempo (mesmo com certa idade avançada), conquistam uma vida longeva mediante o controle consciente da respiração (reduzindo, consideravelmente, a frequência respiratória e cardíaca), além de alguns siddhis (perfeição espiritual, completude e certos “poderes” psicofísicos).
Para o Yoga, controlar o prâna significa dominar a mente e a respiração. A psique (mente) não pode operar sem o auxílio do prâna e de suas vibrações. É o prâna que, através da respiração, move a mente. Portanto, a respiração encontra-se intimamente relacionada com a mente e as emoções, e vice-versa.
“Quando a respiração é instável, a mente também se torna instável. Quando a respiração é estável, a mente é estável e o yogue se torna estável. Portanto, a respiração deve ser controlada” (The Hatha Yoga Pradipika – II,2).
Através das vibrações do prâna, as atividades da mente são preservadas, e o pensamento (samkalpa) é produzido. Mediante o controle da respiração, é possível também controlar os vários movimentos do corpo e os estímulos nervosos.
O Hatha Yoga Pradipika, o principal tratado clássico sobre o Hatha Yoga, de autoria do grande mestre Svatmarama, adverte: “Assim como o leão, o elefante e o tigre são amansados gradativamente, a respiração deve ser controlada aos poucos, do contrário prejudica o praticante” (II, 15).