por Roberto Goldkorn
A maioria das culturas chamadas de primitivas eram animistas.
Animismo é um termo em geral usado de forma pejorativa para se referir a culturas que acreditavam, que as coisas naturais tinham alma (do latim anima). Montanhas sagradas, bosques encantados, águas regeneradoras, árvores protetoras, etc.
Eu acredito que as coisas que nos cercam em nossos ambientes têm vida ou, pelo menos, emoções. Na minha crença animista nós, seres emocionais, contaminamos os objetos à nossa volta com nossas emoções e, como "vingança" dos objetos, somos influenciados de volta por eles. Assim de alguma forma os objetos ganham "alma".
Não vou nem falar sobre as experiências de psicometria onde pessoas podem ser treinadas a "captar" essas vibrações emocionais de objetos que estão direto em contato conosco. As experiências que presenciei e que orientei foram inquestionáveis, mas para o cético elas de nada valem, por isso não me dirijo a eles.
Mas existe uma instância dessa alma dos objetos que é mais facilmente compreendida, mesmo pelos mais céticos, porque envolve a área da psicologia.
Acreditar que uma montanha é algo vivo, confesso… é mais difícil. Porém, aceitar que uma penteadeira pode desencadear em nós sentimentos tristes ou depressivos, é mais fácil. Se a penteadeira em questão era a peça favorita da ex-mulher de alguém que a perdeu e que a amava muito, onde passava um tempo se penteando e cuidando da maquiagem, fica mais fácil compreender.
Um jovem casal de ex-amigos brigava muito. Um dia, ele mais explosivo, deu um soco forte num armário e quebrou a porta. Toda vez que a mulher passava ali, pensava: "que animal, como ele pôde fazer isso". Mas aos poucos não pensavam mais, porém inconscientemente a visão daquele armário quebrado, e as emoções em "sombra" que eram deflagradas, criavam sempre um estado mental alterado. Ele também ao passar ali projetava emoções do tipo: "Eu sou uma besta mesmo, quebrei o armário e agora vou ter de arcar com os custos, tudo por causa dessa mulher. Ainda bem que fiz isso no armário, se fosse na cara dela seria bem pior". Eles acabaram se separando e o armário não foi consertado. Um dia ela arranjou um novo namorado que foi ficar com ela em casa. Mas o armário estava lá no quarto, uma testemunha silenciosa da violência e do desentendimento.
Invariavelmente as noites ou tardes de amor deles acabava com uma discussão que começava do nada. Quando sugeri que tirasse o armário da casa, pelo menos do quarto. Nem preciso dizer que as coisas melhoraram bastante.
Outro caso interessante foi o da poltrona sexual. Um casal de hábitos mais conservadores um dia depois de uma festa onde ambos haviam bebido a sua cota anual, ao chegarem em casa resolveram transar na poltrona da sala. A partir daí sempre que ele sentava na poltrona imediatamente ficava excitado, ao contrário da mulher que evitava sentar-se ali e sentia irritação sempre que o fazia. A explicação: aquela poltrona havia pertencido a sua amada avó que passava as tardes sentada tricotando. Para ele a poltrona da vó desencadeava uma memória erótica, enquanto para ela gerava um mix de sentimentos tendo a culpa como líder da manada. Pela educação mais repressiva que teve, a mulher sentia que o ato deles de alguma forma "conspurcava" a "santidade da poltrona da vovó".
Nesses casos uma memória causava emoções o que emprestava aos objetos uma função quase humana.
Obra de arte sempre possui significado
Quando esses objetos são obras de arte, a intensidade dessas emoções-gatilho são muito mais fortes, pela simples razão de que a obra de arte foi feita para significar. Por mais simples que a obra de arte seja o autor/autora colocou nela originalmente um significado original subjetivo. Desde um pinguim de geladeira até uma tela de Picasso, qualquer obra de arte cuja função seja especificamente estética está carregada de programas causadores de emoção.
As obras de arte com as quais convivemos em nossa casa ou em nosso ambiente profissional são "bombas" emocionais, e através de um complexo sistema de associações e de códigos culturais movimentam emoções das mais sutis até as mais impactantes. O mecanismo através do qual isso acontece é inconsciente. De tanto passarmos diante delas não as vemos mais, não prestamos atenção, ou a olhamos com olhar crítico, mas elas vão passar através da nossa retina e daí direto para camadas mais profundas da mente/cérebro. Lá vão encontrar suas associações e gerar seus significados carregados de emoções (e ganham vida independente das intenções autorais originais).
Uma antiga professora de literatura repetia sempre: "Uma vez saída da mão do artista que a criou a obra não lhe pertence mais com exclusividade, qualquer interpretação é tão válida quanto a de quem a criou". Isso quer dizer que se dez pessoas interpretarem a mesma obra de dez maneiras diferentes(incluído aí o artista que a criou) cada interpretação – e a forma como cada um sente a obra – é tão legítima quanto à do crítico mais competente.
Telas da menina triste
Lembro-me do caso das telas da menina triste. Fui na casa de uma família lotada de quadros de uma artista local que retratava o mesmo motivo: uma moça de cabelos cacheados olhando para baixo. Eram telas bonitas, bem pintadas, mas o clima do quadro era melancólico: uma moça triste, solitária, reforçada pela tonalidade azul predominante (azul cor da tristeza) e contornos esfumaçados. Alertei as duas mulheres (mãe viúva e filha solteira) que moravam na casa sobre a mensagem do quadro, mas elas não concordaram e eles ficaram ali. Um ano depois voltei àquela casa e a filha, ao contrário da predição que fiz, estava muito feliz, casara-se e o seu marido estava morando com elas na casa. Dois anos se passaram e voltei à casa: O marido da filha havia morrido num acidente e ela estava num luto de meses, triste, depressiva solitária.
A identificação das pessoas com os arquétipos ocultos nas obras de arte é subjetiva (veja o exemplo acima das interpretações diferentes). Em geral, se cercam de obras de arte que de alguma forma reforcem seus programas emocionais mais íntimos.
Quadros que exibam ambientes escuros, sinistros, sombrios, ou seres humanos disformes, pobreza, miséria, dor, conflitos, deformidades, violência, não devem estar à nossa volta por mais que tenham valor estético ou pecuniário.
Esculturas de formas humanoides que se apresentem sem um ou outro membro, sem cabeça, em posições contorcidas, como em muitas figuras barrocas, não devem fazer parte de nossa vida cotidiana.
Ao cercar-se de obras de arte lembre-se de escolher pelo valor significativo. Prefira imagens que expressem bom humor, relações interpessoais saudáveis, alegria de viver, luminosidade, acolhimento, motivos ascensionais (que obriguem a direção do olhar a ir de baixo para cima, como aviões, pássaros voando, balões, castelos encravados em montanhas, etc).
Mesmo que você seja do tipo que valoriza obras originais caras, lembre-se de que o verdadeiro valor da obra de arte está na riqueza de seus significados que vão exercer algum tipo de influência sobre quem convive com elas.