por Monica Aiub
Em filosofia é imprescindível que busquemos os fundamentos de nossos pensamentos, crenças, desejos, ideias etc. Como vimos no artigo É possível controlar ou educar o pensamento? (veja aqui), não é possível controlar nossos estados mentais. Nossos pensamentos podem se distanciar da realidade, nossas crenças podem ser o resultado de hábitos equivocados, nossas ideias podem ser pouco razoáveis, nossos sentimentos podem ser contraditórios. Contudo, podemos compreender nossos estados mentais e sua gênese, conhecendo seus fundamentos, suas origens, suas formas de consolidação. Tal compreensão torna-se mais significativa quando nos auxilia a lidar com nossos estados mentais e, consequentemente, a nos posicionar, escolher e agir tendo bases mais sólidas.
Mas o que é um fundamento? Certas pessoas, ao serem perguntadas pelos fundamentos de suas ações, contam histórias, relatam casos de outras pessoas, falam de coisas que não se relacionam necessariamente com suas ações. Outras pessoas apresentam justificativas facilmente encontradas nos argumentos cotidianos, mas são incapazes de refletir sobre tais argumentos, de buscar a origem destes, e acabam reproduzindo formas equivocadas de agir, repetindo erros comuns dos que agem sem pensar, sem saber os motivos pelos quais agem daquela maneira.
Se alguém resolveu um problema de determinada forma, isso não significa que essa será sempre a melhor maneira para se resolver problemas similares. É possível que existam muitas outras possibilidades para se lidar com as questões, e cada contexto exige que pontos específicos sejam considerados. Fazer "como todo mundo faz" ou "como já fizeram" não necessariamente resolverá a questão. É preciso estudar o que se passa, compreender o que está relacionado ao problema, as redes nas quais ele foi gerado e desenvolvido, para somente então vislumbrar as possibilidades reais de solução.
Quando falamos em buscar fundamentos, em sentido amplo, referimo-nos à busca das causas, dos motivos, das bases para se pensar, escolher ou agir de determinada maneira. Você, leitor, habitualmente, pensa nos fundamentos de seus pensamentos, crenças, ideias, desejos, sentimentos, escolhas, posicionamentos ou ações?
Historicamente, a filosofia caracteriza-se por ser a busca dos fundamentos. Para defender uma ideia, nessa área, é preciso apresentar seus fundamentos, e somente são aceitos como fundamentos aqueles que podem ser demonstrados.
Aristóteles, em Analíticos Posteriores, afirma que "Julgamos dispor de conhecimento simples e sem qualificação de tudo (em contraste com o conhecimento acidental dos sofistas) quando acreditamos que sabemos [1] que a causa da qual o fato é originado é a causa do fato e [2] que o fato não pode ser de outra maneira." (2010, p. 253), ou seja, conhecemos pelas causas, pois elas nos permitem a compreensão do fato e sua necessidade de ser o que é. Assim, apresentar os fundamentos não significa apresentar qualquer justificativa, mas aquela que necessariamente é a base, a origem do que se pretende fundamentar.
Acreditar ter fundamentos é diferente de tê-los de fato. Por isso a filosofia dedica-se a investigar até, e principalmente, aquilo que parece óbvio. A inscrição do Oráculo de Delfos citada por Platão (e repetida por muitos, em diferentes contextos), "Sei que nada sei, de tudo quanto sei", refere-se a essa busca. Em outras palavras, é preciso colocar em questionamento aquilo que acreditamos saber, buscar os fundamentos de nosso saber, para verificar se podemos aceitá-lo como um saber ou não.
Observe suas crenças mais óbvias. Interessante que ao fazer este exercício, muitos sequer conseguem considerar as crenças como tal, de tão arraigadas que se encontram em seu modo de pensar e viver. Para facilitar, observe, nas situações em que precisa decidir, posicionar-se, quais são as ideias que lhe permitem escolher uma opção ou outra? Como você chegou à conclusão de que tais ideias são verdadeiras e merecem ser consideradas para orientar suas escolhas? Prosseguindo com a definição aristotélica citada acima, este questionamento seria repetido até chegarmos aos fatos e suas causas demonstráveis: "a causa da qual o fato é originado é a causa do fato".
Demonstrar supõe apresentar ao outro de modo que esse possa acompanhá-lo passo a passo e, repetindo o mesmo caminho, chegar à mesma conclusão. Sempre que você defende suas ideias consegue demonstrá-las? Ao menos tenta? Sua demonstração é, de fato, uma demonstração?
Referências:
ARISTÓTELES. Órganon. São Paulo: EDIPRO, 2010.