por Aurea Afonso Caetano
"Se nada mudasse em nós e em torno de nós, o destino estaria traçado e nada mais poderíamos fazer senão repetir a vida inteira o que aprendemos num momento em que era preciso calar-se para sobreviver." Boris Cyrulnik, "Falar de Amor à Beira do Abismo"
Somos ao mesmo tempo fruto de nossa história e senhores de nosso destino.
Uma das críticas feitas às análises em geral, é em relação a essa primeira ideia: onde estaria a possibilidade de transformação individual, se credito unicamente a meu passado a forma como sou hoje. A posição de "fruto de uma história" pode servir como desculpa e justificativa para as circunstâncias que me definiram.
Dificuldade em imprimir mudanças na vida leva as pessoas a procurar terapia
Muitas pessoas buscam um trabalho terapêutico procurando encontrar a causa de seus problemas ou de seus sintomas. Estão, na verdade, procurando encontrar uma razão, um porquê, um culpado ou culpados por serem como são e mais por não conseguirem fazer as transformações necessárias em suas vidas.
E quais são essas transformações necessárias?
Temos clareza delas ou estamos apenas cometendo um autoengano permanecendo enredados entre o que é desejável do ponto de vista externo e nosso verdadeiro desejo?
Muitas vezes o foco inicial da análise e, diria mesmo a grande dificuldade, é poder começar a discriminar o que é o verdadeiro desejo. O que é que quero parar de repetir, o que é que de fato, quero mudar em mim. O que é meu desejo e o que é o desejo do outro ou outros. Parece simples, mas esta é uma das tarefas mais difíceis que enfrentamos.
Para começar, por exigir fidelidade a mim mesma e à minha história. É necessário compreender como vim parar aqui, não de forma causalista, determinada, mas de forma simbólica mais ampla: como o ser que sou, desde o início, foi se relacionando e transformando de acordo com os acontecimentos em minha vida. Qual o sentido de ser quem sou, aqui e agora e mais, o que quero transformar, como quero prosseguir?
Somos seres humanos individuais e coletivos, singulares e plurais, únicos em nossa constituição genética e comuns em nossa constituição humana. Frutos da relação entre meio ambiente e natureza individual temos a possibilidade de reproduzir, sem nem pensar, programas ou esquemas básicos de funcionamento e impedir, através de uma ampliação da consciência, repetições que não fazem mais sentido. Funcionamentos obsoletos, que foram necessários em épocas nas quais não tínhamos tanto recursos e que se mantiveram como estruturas defensivas autônomas.
Para que possa começar a tomar a tarefa de ser o mais verdadeiro que há em mim e com isso ser "dona de meu destino" (se é que isso é possível) é preciso olhar de forma livre e honesta para quem sou, quais os caminhos que me trouxeram até aqui e como quero continuar. E, para fazer isso, é importante usar não apenas a luz da clareza racional, mas também a luz bruxuleante da vivência simbólica, que mostra de forma velada o que não pode ser visto de forma direta. Tarefa possível?