por Aurea Afonso Caetano
O neurocientista Oliver Sacks (1933-2015) era uma pessoa encantada! Encantada acima de tudo com a vida, com os mistérios da vida e com as belezas que esses mistérios iluminavam ou iluminam… ele se foi, mas os mistérios permanecem.
Em um dos últimos artigos que escreveu falou a respeito desse encantamento ao, já na fase terminal de sua doença, observar o céu “powdered with stars”, e quanto esse esplendor o lembrava do pouco tempo de vida que tinha.
Sua escrita continuava lúcida, intensa e mágica; ele continuava, mesmo na fase terminal de sua vida, profundamente ligado à natureza e ao universo.
Aprendi muito lendo Oliver Sacks, seus livros com frequência desafiavam nosso olhar ao trazer outras possibilidades de ver o mundo, ao descrever síndromes neurológicas inusitadas a partir do relato de quem as estava vivendo.
Lembro-me ainda da surpresa ao ler “Um antropólogo em Marte”, um livro com esse título era já um acontecimento. Impressionante sua capacidade de escrita, ímpar a possibilidade que tinha de fazer com que entrássemos como antropólogos em outros mundos, não em Marte, mas em mundos bem próximos a nós. Mundos comuns, mas únicos em sua individualidade.
Oliver Sacks: grande humanista, uma pessoa encantada
Oliver Sacks tornava cada um de seus pacientes sujeitos singulares, iluminava cada uma de suas síndromes com as luzes de sua mente brilhante e afiada, nos mostrava as sutilezas das “doenças” ao mesmo tempo em que exaltava a possibilidade de viver acima de tudo.
Grande neurologista, aficionado por elementos químicos a ponto de nomear seu último artigo como “Minha tabela periódica”, Sacks era, no sentido mais clássico, um grande humanista. A despeito de ser conhecido como um sujeito solitário e até mesmo duro, ele tinha uma curiosidade profunda pela mente e seus mistérios e um atento olhar ao ser humano. Cada um de seus ensaios começava pelo relato da observação de um paciente, passando depois pela descrição da neurologia do distúrbio e suas possíveis ampliações e efeitos, terminando mais tarde com a “volta” do sujeito em questão à sua vida e a possibilidade criativa de lidar com o dano neurológico dando um sentido maior à existência.
Sacks ampliou muito o sentido da “discussão de caso”, trabalhando com a possibilidade de expandir nosso conhecimento a respeito do funcionamento neurológico sem perder a inteireza de cada paciente.
Acredito que ele tenha vivido até o fim com o mesmo encantamento que lhe era tão peculiar. Posso apenas agradecer a possibilidade de ter aprendido muito e me encantado com seus profundos e humanos relatos. Que ele possa também ser mais uma estrela nesse céu tão estrelado ou no que chamou parafraseando Milton de “powdered sky”.
“Não posso fingir não ter medo. Mas o sentimento que predomina em mim é a gratidão. Amei e fui amado; tive muito e dei muito em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive com o mundo o relacionamento especial que os escritores e leitores tem com ele. Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal pensante sobre este belo planeta, o que, por si só, já foi um enorme privilégio e uma aventura.”
Oliver Sacks