por Alex Botsaris
A medicina tem evoluído muito nos últimos anos. Toda essa evolução não seria possível se as bases da clínica médica não tivessem sido criadas por grandes médicos do passado, como o fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878).
Foi ele que descreveu o sistema simpático e parassimpático, ajudou a formular as teorias sobre a hemodinâmica (parte da medicina que estuda a circulação de sangue), identificou o conceito de meio interno e homeostase (sistema que mantém os parâmetros químicos e fisiológicos do organismo constantes) e descobriu a função metabólica do fígado. Ele é considerado o pai da medicina experimental com seu método científico baseado na seguinte sequência: observação, hipótese, experimentação, avaliação dos dados e conclusão, modelo que até hoje é seguido pelos médicos.
Toda a medicina que se faz hoje se baseia na metodologia de Claude Bernard, assim como nas ideias de René Descartes. A influência de Descartes, especialmente, gerou um método excessivamente racional, onde não há espaços para os aspectos simbólicos e não lineares do ser humano. Mas outras ideias dessa época também contribuíram para uma construir um conhecimento amplo, detalhado e profundo, onde as diferentes nuances do ser humano estavam incluídas.
Ainda no passado da medicina, vale a pena citar Tomas Sydenham (1624-1689), responsável pela demonstração da coreia (movimentos involuntários com os membros) como parte dos sintomas da febre reumática, ou ainda pela descrição clínica da atrite gotosa. Sydenham, junto com os filósofos Robert Boyle e John Locke, foi um dos defensores do empirismo, uma metodologia de estudo das ciências naturais descrita e proposta nessa época. Ela defendia um processo não racional de abordagem do conhecimento, que gerava frutos a partir do caminho intuitivo. Ao longo do tempo o empirismo se contrapôs ao método experimental de Claude Bernard, mas o fato é que os grandes clínicos do passado, empiristas ou racionalistas, com suas descrições cuidadosas e minuciosas, conseguiram identificar e classificar as doenças e assim criar as bases para o enorme salto do século XX.
O salto de tecnologia e qualidade da medicina no século passado gerou avanços incríveis no tratamento de muitas doenças. Nesse processo a mentalidade cartesiana, linear e reducionista se tornou tão predominante e onipotente entre os pesquisadores, que as outras correntes de pensamento foram praticamente banidas da medicina. Empirismo virou sinônimo de charlatanismo. Surgiu uma ciência médica arrogante, fria, autoritária e desumana. Esse fator associado a outras distorções da sociedade ocidental e às influências nocivas do mercado e do capital, acabou por engrenar a marcha ré no processo de avanços na ciência e prática médicas. Distorções terríveis começaram a corroê-las de tal forma que a iatrogenia (doenças secundárias ao tratamento médico) começou a aumentar, assim como a quantidade de ações na Justiça decorrentes de erros médicos. Vamos repassar as principais distorções da medicina convencional contemporânea, ao mesmo tempo que vou sugerir algumas mudanças que poderiam ajudar.
Equívocos na medicina
Compartimentalização e reducionismo: Isso significa que a medicina tem montado sua principal estratégia em estudar problemas específicos, através da formação quase exclusiva de especialistas, em detrimento da visão global do ser humano, e da formação de generalistas. Hoje em dia o generalista é visto como o médico que não estudou e não domina bem nenhuma área da medicina. Precisamos voltar a formar generalistas, e dar uma visão generalista para os especialistas.
Tecnicismo e perda da humanidade: A evolução científica maciça dos últimos anos fez muitos médicos quererem transformar a medicina numa ciência mais técnica que humana. Com isso as decisões dos médicos começaram a se nortear apenas em crtérios técnicos, e os humanos caíram no esquecimento. Não há muito espaço para subjetividade. Na faculdade os alunos de medicina estudam cada vez menos as ciências humanas ligadas à medicina, como a psicologia. Precisamos resgatar o conceito que a medicina/tecnologia, precisa estar sempre dominada e sobrepujada pela medicina ciência humana.
A influência do capital: A medicina está cada vez mais relacionada a um negócio, e se distanciando daquela profissão que era comparada ao sacerdócio. Laboratórios farmacêuticos e outras empresas ligadas ao setor investem em induzir o médico a prescrever seus produtos, ou solicitar mais exames. Com isso, o custo da medicina não para de aumentar. De outro lado as empresas de seguro de saúde aviltaram o valor das consultas médicas de tal forma, que os profissionais são obrigados a atender uma quantidade enorme de pacientes num só dia. O resultado é pacientes mal vistos que fazem exames demais e tomam medicamentos também excessivamente caros. Medicina não combina muito com capitalismo, e com conceitos como lucratividade e leis de mercado. Precisamos de sistemas médicos onde a ética e a dignidade valham mais que o saldo bancário ao fim do mês.
Excesso de foco em doença: A ciência médica atual ainda investe pouco em estratégias preventivas, que tragam saúde e evitem o adoecimento. Precisamos nos focar mais em tratamentos que gerem saúde e bem-estar e previnam as doenças que matam mais. Eu acredito que é fundamental passar a pesquisar mais no sentido de prevenir as principais doenças.