Onde está a verdade?

A verdade nos aprisionará? Há um lugar seguro onde ela se abriga? Este texto não  traz uma resposta pronta. Mas, quem sabe, te ajude a chegar em algum território onde ela possa se repousar…      

Nos habituamos a viver sob o império da verdade. Isso significa que reconhecemos que há um ponto a partir do qual se irradiaria algum tipo de condição superior. Assim, se uma teoria é mais verdadeira que outra, isso significa que ela se encontra em uma posição superior e é, por isso mesma, mais digna de crença e confiança de nossa parte.

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Mas isso também implica em questões mais básicas de nossa própria existência cotidiana. Questões que não dizem respeito a teorias, à ciência ou a qualquer tipo de verdades superiores. Verdades superiores que são tautológicas porque cremos que todas as verdades são superioras àquelas coisas que não são verdadeiras. Quando transpomos essa noção de superioridade para nossas vidas cotidianas é que as coisas começam a ficar estranhas. Vejamos.

Qualquer um de nós deve estar de acordo com a noção de que é melhor viver uma vida verdadeira do que uma vida falsa. Quer dizer, que é uma condição superior basear suas ações e suas crenças em verdades e não em mentiras. Assim, uma pessoa que busca um terapeuta – por exemplo – tenta encontrar apoio para enfrentar seus demônios verdadeiros, aquilo que se supõem serem as causas reais dos problemas que a afligem. Não teria sentido acreditar que alguém vai ao terapeuta para contar mentiras, porque isso simplesmente não deveria surtir nenhum efeito prático.

Então notamos que nossas existências diárias são guiadas e baseadas na verdade. Aquilo que cada um de nós deseja lá no fundo, aquilo que procuramos antes de qualquer outra coisa, julgamos que é superior e melhor do que outras coisas. E essa superioridade deve-se ao fato de que acreditamos que buscamos o que é verdadeiro ou que está conectado intimamente à verdade. Simplesmente não parece fazer sentido viver uma vida baseada em outra coisa que não seja a verdade.

Mas, o que é a verdade?

O problema é que não sabemos o que é a verdade. Mais do que isso. Temos consciência de que as pessoas creem em coisas diferentes. Então, pode ocorrer que duas pessoas vivam suas vidas conectadas à (busca pela) verdade, mas vivam vidas inteiramente diferentes. Isso significa que elas estão igualmente pressionadas por encontrar um ponto de apoio seguro – e verdadeiro – nessa vida, mas que, apesar disso, tomem direções diferentes. E isso é o que é estranho: que possam haver mais de uma vida conectada à verdade.

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Claro que podemos concluir que uma delas vive uma vida falsa ou conectada à falsidade. Porém, isso possui o inconveniente de afirmar que algumas pessoas estão erradas com relação ao seu estilo de vida e que nós estamos certos com relação ao nosso. Isso é inconveniente porque isso nos coloca em condições de julgar se a vida dos outros é verdadeira ou falsa baseados exclusivamente na nossa própria concepção sobre a verdade. Ninguém pode negar que nossas experiências são sempre limitadas, nossos critérios do que é verdadeiro ou falso se alteram ao longo do tempo, pessoas que vivem em ambientes culturais diferentes possuem outras crenças do que nós. E tudo isso tornam suspeitas nossas capacidades de avaliar com segurança quem vive verdadeiramente e quem vive falsamente.

Então, temos a seguinte situação: vivemos perseguindo a verdade com boas intenções, tentamos viver vidas boas e verdadeiras, mas não estamos devidamente aparelhados para saber o que ela é. Quer dizer, sabemos que erramos e isso nos provoca ao menos algum sentimento de precaução e de prudência acerca de nossa capacidade de encontrar a verdade.

Será que vivo uma vida verdadeira?

Isso configura uma espécie de armadilha em que nos metemos: procuramos algo que não podemos saber se encontramos mesmo se ocorrer que tenhamos encontrado. Afinal, mesmo que possamos estar vivendo uma vida verdadeira, não faz sentido ter uma convicção a esse respeito porque não temos condições de ter certeza sobre isso. Se somos seres temporais, que passam por fases de desenvolvimento emocional e cognitivo, se outros vivem de maneira diferente e se nós não temos poderes divinos para que tentamos obter a verdade?

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Por que corremos em direção a um horizonte que se afasta continuamente na mesma proporção em que nos aproximamos dele? Para que buscar algo que não podemos obter? Por que nos tornamos vítimas da verdade que projetamos?

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie