por Regina Wielenska
Na história da humanidade, em muitas ocasiões, já se anunciou para o mês ou ano seguinte a chegada do Apocalipse. O sensacionalismo do assunto se perde na hora em que o suposto profeta cai do cavalo e “erra a data”, o mundo continua a existir, de um jeito tão bom e tão ruim quanto sempre fora.
A gente é capaz de falar do futuro ou da iminente finitude deste e de sofrer um bocado com isso. Conseguimos também falar do passado, remoer erros, lamentar perdas, culpar a si ou aos outros pelas coisas ruins, pelos desacertos da vida. O mesmo se aplica para falas que nos trazem prazer, esperança, conforto.
O que nos qualifica para viajar entre dimensões temporais é que somos capazes da palavra, oral, escrita e lida. Falamos para os outros e até para nós mesmos, na ausência de outros interlocutores. E assim podemos passar horas lamentando oportunidades perdidas, imaginando o que de ruim poderá acontecer, fazendo planos, sofrendo, sonhando, fantasiando.
Nada contra pensar ou falar sobre o passado ou futuro, ainda que eles só existam na prática como instâncias verbais, coisas impalpáveis sobre as quais nos dedicamos a falar. O problema é quando alguém desperdiça o presente, desconectando-se dele, porque o passado ou o futuro tomaram conta da sua mente. A única coisa que temos de verdade é o aqui agora, a rica arena de nossos atos ou omissões, o aqui e agora em que podemos nos apropriar em algum grau do nosso destino.
Ações desempenhadas hoje poderão influenciar o futuro de várias pessoas, inclusive o nosso. Embora simples, um exemplo pode nos ajudar a entender o entrelaçamento entre o que fazemos e as dimensões da temporalidade. Vacinar-se, por exemplo, é uma das formas de prevenir doenças. Campanhas de vacinação antipólio, um tipo de ação de saúde pública, aliadas ao comportamento dos pais de levar seus filhos aos centros de saúde, é que eliminaram a doença em muitos países, prevenindo deficiências. Ações coletivas e individuais produziram consequências percebidas algum tempo depois e, no caso da vacinação, todas muito positivas. Atos e omissões de hoje prejudicam ou favorecem os frutos colhidos amanhã.
Outro exemplo: a mãe que perde um filho precisará atravessar seu processo de luto, mas se ficar para sempre presa na dor da morte, esquecerá da própria vida e da de seus outros filhos e marido, co-sobreviventes de uma tragédia familiar. Esses estão ao seu redor, ávidos por seu carinho e disponíveis para lhe trazer algum alento. Viver da melhor maneira talvez seja uma forma de honrar a memória de quem se foi precocemente.
Não se muda diretamente o passado, e nos resta alterar no presente momento algumas das consequências e sentimentos sobre o que já se foi. Construir um futuro é tarefa incerta, nem sempre comportamentos dedicados e empenhados recebem recompensas. Mas em algum grau, que varia caso a caso, precisa-se agir hoje para influenciar, ao menos em parte, o que obteremos amanhã.
Viver na plenitude o momento presente, com olhos atentos para as consequências de nossos atos, cultivando apurada sensibilidade, agindo com criatividade e garra, nos distancia das armadilhas do passado e do futuro. Só temos o hoje e vivê-lo ativamente, lidando inclusive com seus componentes dolorosos, é como semeamos a cada dia um existir com sensações de realização pessoal e sentido existencial profundo. Quem ficar preso no passado e no presente perde o bonde. Aqueles que se antenarem nas condições ao redor, surfando as intempéries do mundo externo e também as da alma terão uma vida que vale a pena.