por Luiz Alberto Py
No texto anterior, o segundo desta série de três artigos sobre o tema Ordem e Progresso, expliquei por que denominei este trabalho de “Ordem ou Progresso”. Isso porque penso existir um conflito fundamental entre essas duas ideias: a ideia da ordem e a ideia do progresso – clique aqui e leia.
Agora vamos ao fechamento deste tema…
Em relação à questão da institucionalização, tenho refletido sobre o ponto que acho fundamental para os psicanalistas, que é a existência das institucionalizações a nível interno, ou seja, nas nossas mentes. Dentro do âmbito do individuo, dentro de cada um de nós, processa-se permanentemente esta luta, que eu diria política, entre jovens e velhos, progressistas e conservadores, o novo e o já conhecido; desde o momento em que nascemos. Talvez até mesmo antes de nascer, quem sabe uma primeira dúvida entre permanecer no útero ou aventurar-se à vida.
Sendo a Psicanálise um processo que está em principio associado à corrente progressista da humanidade, que busca o novo e a verdade – a meu ver esta é a proposição fundamental do processo psicanalítico – temos a nível intrapsíquico o conflito entre o conservador e o progressista. É preciso entender que a busca da verdade se processa contra uma resistência muito intensa. Já é muito reconhecida nos trabalhos analíticos a existência dessa resistência por parte do analisando.
Creio que é importante assinalar que existe também por parte do analista esta mesma resistência: a dificuldade que o analista tem em abrir mão das teorias que já aprendeu e estabeleceu dentro da sua mente e sair em busca de ideias novas e novas construções. Cada conquista e cada compreensão representam para o analista uma vitória, um patrimônio ao qual é difícil renunciar. Por isso mesmo, com o tempo, nós vamos, imperceptivelmente, mais e mais nos mumificando, nos estagnando em nossas percepções, ficando menos fluidos e menos capazes de apreender, perceber coisas novas e fazer crescer nosso conhecimento.
O resultado é que num processo psicanalítico, quando se atinge alguma compreensão, algum resultado, tende a haver uma estagnação, pelo menos durante algum tempo, porque analisando e analista entram num conluio conservador onde tentam manter o que já aprenderam e obtiveram e, sem perceber, reagem contra a ideia de se lançarem em busca de investigar e aprender o que ainda não sabem.
Qualquer um de nós com experiência psicanalítica sabe quanto sofrimento implica esta permanente renúncia ao que já se aprendeu, ao que já se descobriu, ao que já se sabe, em busca do ainda não atingido, do ainda não percebido, do novo.
Se a cada momento do seu trabalho o analista não estiver se questionando da possibilidade de estar sendo reacionário, de estar torpedeando ou sabotando novas possibilidades de contato com o desconhecido, de estar usando o conhecimento como instrumento de bloqueio de novos conhecimentos e manifestação do status quo, o qual é ao mesmo tempo favorável e satisfatório; e simultaneamente usando a situação analítica como instrumento de poder e autossatisfação, se o psicanalista não estiver alerta a tudo isso, cairá inevitavelmente numa armadilha antipsicanalítica. É importante que saibamos utilizar nossos conhecimentos para iluminar a percepção da nossa ignorância.
É importante pensar a questão da formação do psicanalista. As expressões “formação do psicanalista”, “formação psicanalítica”, são muito próprias, porque a palavra formação, nesse caso, parece estar bastante ligada à ideia de forma – dar uma forma ao psicanalista. Ha uma aspiração à padronização, ou seja, a formação se abstém de dar oportunidade ao candidato a analista de crescer, preocupando-se em lhe dar uma forma dentro da qual ele deverá se expandir e moldar-se, ficando uma pessoa “formada”. Nesse sentido, formar é praticamente o oposto de liberar. Isto é lamentável, pois a formação do psicanalista deixa de ser uma proposta de “vamos libertar o psicanalista que existe dentro desse ser humano e trazê-lo à tona”. Ao contrário, propõe: “vamos formá-lo à imagem e semelhança de Deus ou à imagem e semelhança do presidente da Sociedade de Psicanálise”. Assim, a coisa mais antipsicanalítica que conhecemos ligada à Psicanálise é, exatamente, a formação psicanalítica vinculada a uma instituição que funcione reacionária e conservadoramente, no sentido de se perpetuar, de se autopreservar.
A formação, tal como está atualmente estruturada, serve à morte, em reação ao vivo, ao humano, ao alegre, ao lúdico, ao criativo. A formação psicanalítica, na medida em que seja uma “formação”, não busca no individuo o que ele tem de único, de original, de vivo e de próprio. Pelo contrário, busca tornar o indivíduo uma máquina, um repetidor, um robô, algo morto, algo que não é mais dotado de vida própria e sim, apenas dotado de memória e capacidade de repetição.
Na medida em que a formação propõe ao individuo a conquista de um saber já estruturado, já estabelecido, um saber que já tem dono, um saber que já é possuído pelos donos do poder, pela cúpula da sociedade, ela está propondo algo morto. Então, há uma contradição imensa entre essa formação, essa instituição psicanalítica e a própria Psicanálise, que propõe ao individuo que se descubra, se construa, se crie, se recrie.
Neste sentido, me parece claro que a Psicanálise está toda empenhada na luta em favor do instinto de vida, enquanto que as instituições psicanalíticas em geral, tais como as conhecemos, e tal como as instituições de uma forma geral, estão muito mais empenhadas numa luta em favor dos instintos de morte, em favor da morte, da estagnação, da repressão, da manutenção da ordem e contra o progresso.