por Silvia Maria de Carvalho
"Há algum tempo tento todos os dias mentalizar coisas positivas e tento reprogramar minha mente. É muito difícil pelos acontecimentos à minha volta. Como faço?"
Resposta: Vou começar esta resposta introduzindo um conto.
“Era uma vez um casal feliz sem ser rico. O pai era professor. A mãe, artista. Moravam numa casa modesta. Bruna cresceu ouvindo histórias interessantes. Ao lado vivia outro casal rico e infeliz. A mãe, chamada Monique, era fútil. Suas duas filhas tinham nome francês porque era chique. Elas só se preocupavam com a aparência. O pai era solitário. Não conseguia conversar com ninguém da família.
A mãe de Bruna morreu. O marido de Monique saiu de casa. Fragilizado por estar viúvo, o professor (inteligente, mas emocionalmente abalado), se casou com a vizinha. A felicidade durou pouco: não tinham afinidade.
Na mesma cidade morava um moço rico, afetivo e cego, que gostava muito de conversar. Fez um baile para conhecer sua futura esposa. Ao dançar, descobriu Bruna: única moça que conseguiu manter com ele uma longa conversa. Recitaram poemas, falaram da vida …
Casaram-se e foram felizes, apesar das adversidades. A ternura os manteve unidos até a velhice”.
Trata-se do resumo do livro Caindo na Real, de Rubem Alves. O conto da Cinderela nos dias atuais. O impressionante e sensacional nessa história, pra mim, é a realidade descrita de forma tão natural: felicidade sem riqueza, pessoas fúteis se casando com intelectuais, homens inteligentes e frágeis ao mesmo tempo, um príncipe cego, adversidades, paixão virando ternura, velhice.
Os contos de fada tradicionais são perfeitos. Acabam na hora em que a vida real começa. Ninguém imaginou a vida da Branca de Neve trinta anos depois da festa de casamento.
O que nós fazemos com a utopia e idealização de nossas vidas?
Não aguentamos manter o “cor-de-rosa” independente dos acontecimentos. A luta diária não é menos real para os outros do que para nós.
Tudo isso pra te perguntar: a ditadura do pensamento positivo serve pra quê?
Temos problemas e ainda por cima lutamos para achar isso bom?
A obrigatoriedade do otimismo dá muito trabalho e funciona mal. Parece que somos os únicos responsáveis pelo que nos acontece. Nada precisa mudar ao nosso redor. Estará tudo salvo se transformarmos nossos pensamentos. Fácil gerar culpa e ressentimento se o caminho escolhido for esse.
A saúde mental pede coerência entre sentimentos, pensamentos e fatos. Que alívio poder dizer, frente aos desagrados: “Não gosto do que me aconteceu, queria que as coisas fossem diferentes”, sem críticas ou julgamentos. Sem pressa de melhorar.
Forçar pensamentos é ruim. Deixe que venham. Quando menos esperar, a vida te cutuca outra vez e faz você pensar colorido.
Depois da aceitação vem as possibilidades. Como nuvem que se dissipa se a gente espera um pouco e caminha devagar. A primavera há de vir!
Claro que as palavras têm poder. Mas o poderoso, de fato, é o que fazemos com elas. Que as palavras venham acompanhadas de boas atitudes!