Os sonhos na visão do xamanismo Bön

por Carminha Levy

Hoje iniciaremos uma série sobre o Xamanismo Tibetano Bön, anterior ao Budismo da Índia. Necessário se faz uma pequena explanação de conceitos básicos do que é a visão tibetana do Universo em que vivemos.

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O principal enfoque sobre sonhos que o Xamanismo Bön nos ensina mais parece um paradoxo: os sonhos são usados para atingir a libertação do estado do sonho da vida cotidiana e o sono é usado para despertar da ignorância. Ou seja, a grande resposta vem através do sono que nos leva ao despertar para a verdadeira realidade.

São ensinamentos espirituais geralmente orais, pois para absorvê-los temos que “ouvir, concluir e experimentar”.

Essa forma sagrada de lidar com os sonhos e os ensinamentos não são consideradas ideias para serem colecionadas e sim um caminho a seguir. Como ilustração desta afirmação no Tibete eles fazem a seguinte apreciação: As peles de couro novas precisam ser amaciadas com bolas de manteiga para serem transformadas em sacolas que servem para transportar os pertences, água ou alimentos. Quando essas bolas de manteiga são deixadas por muito tempo, elas ficam duras e pesadas como madeira.

Portanto, os ensinamentos podem amaciar a pele dura da ignorância e dos condicionamentos, mas se ficarem guardados no intelecto e não forem esfregados no aluno com a prática e nem aquecidos com a experiência direta, a pessoa torna-se rígida e dura em sua compreensão intelectual.

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Os ensinamentos não são ideias para serem colecionadas, mas sim um caminho a seguir.

Sonho e realidade

No Xamanismo Tibetano Bön nos aproximamos do sonho para acrescentá-lo na vida espiritual.

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O enfoque psicológico também é levado em consideração, mas não é o principal, pois investigar a natureza do sonho em si mesma nos leva a processos misteriosos que sustentam a totalidade da nossa existência, além do período da vida que estamos vivendo.

Por esse enfoque percebesr que o sonho sempre será analisado como sendo parte de uma grande realidade que engloba todas as nossas vidas passadas. O primeiro passo é reconhecer o grande potencial que ele representa na nossa jornada espiritual quando estamos acordados.

Como surge a experiência

Conhecer a ignorância como base da samsara (a roda da vida de nascimento e morte) é a característica determinante dos seres comuns. Essa ignorância é a ignorância de nossa verdadeira natureza e da verdadeira natureza do mundo e acaba-se emaranhando-se com as desilusões. Isso nos leva a viver no dualismo e na polaridade que divide o universo indivisível (é isso realmente a ignorância, querer dividir o Universo que não é divisível) da experiência em isso e aquilo, certo e errado, você e eu.

Com base nessas divisões conceituais desenvolvemos preferências que se manifestam como Apego e Aversão. Estas são as respostas habituais que se formam daquilo que identificamos como nossa identidade. Tudo isso diz respeito ao primeiro tipo de ignorância inata e que é a base da samsara.

Mas existe um segundo tipo de ignorância ao qual estamos aprisionados culturalmente ela é preservada nas tradições, costumes, conjunto de valores.

A lealdade a certos valores mais a ignorância cultural traz uma visão limitada que se origina no dualismo, que é a manifestação da ignorância inata como um todo.

Ações e resultados: carma e traços cármicos

A nossa cultura nos condiciona a levamos a semente do condicionamento onde quer que a gente vá.

Culpamos a nossa situação de vida pela nossa infelicidade, mas essa é apenas a causa do nosso sofrimento: a principal é a ignorância inata e o desejo que resulta dela de que as coisas sejam diferentes do que realmente são.

Quando achamos que a solução para a nossa infelicidade pode ser encontrada no mundo exterior, nossos desejos só poderão ser saciados temporariamente. Assim somos arremessados de uma direção a outra pelos ventos do desejo. Somos governados pelo nosso carma e estamos o tempo todo plantado a semente da futura colheita cármica.

Os seis reinos da existência cíclica

Para chegarmos à maestria da interpretação dos sonhos através do Xamanismo Tibetano Bön, temos que primeiramente conhecer Os Seis Reinos da Existência Cíclica.

Esses são manifestações coletivas de traços cármicos e são regidos por seis emoções coletivas negativas: raiva, cobiça, ignorância, inveja, orgulho e distração prazerosa.

Hoje vocês conhecerão uma síntese desses reinos que serão desenvolvidos posteriormente.

Reino  

Deuses (Devas)
Semideuses
Humanos
Animais
Fantasmas
Infernos Distração agradável

Emoção básica

Inveja
Ciúmes
Ignorância
Avidez
Ódio

Chacras

Coroa
Garganta
Coração
Umbigo
Órgão sexual
Sola dos pés

Emoções são negativas quando reagimos com apego ou aversão, pois quando isso acontece sofremos uma limitação de consciência e identidade e entramos em um destes seis reinos da existência cíclica:

1) Reino dos Infernos – raiva é a emoção germe – aversão, tensão, ressentimento, crítica, violência

Centro-energético – sola dos pés

Antídoto: amor puro incondicional

São nove infernos quentes e nove infernos gelados

2) Reino dos Fantasmas Famintos – emoção germe – avidez. Surge como sentimento de extrema necessidade que não pode ser preenchido e somos consumidos pela avidez na procura na solução externa.

Antídoto: conhecimento da nossa verdadeira natureza – EU SOU.

Centro energético: órgão sexual chakra básico

Antídoto: generosidade, doação

3) Reino dos animais

Ignorância é o germe – sentimento de estar perdido em total indecisão – não sabem o que querem.

Antídoto: sabedoria encontrada quando voltamos para nós mesmos.

O chacra fica na altura do umbigo – centro do corpo.

4) Reino dos humanos

Ciúme emoção germe – prender-se a uma ideia, arrastar conosco um relacionamento. Apego ao objeto de nossos desejos, por a fonte da felicidade como algo externo a nós, chacra do coração.

Antídoto: abertura do coração que surge quando nos conectamos com nossa verdadeira natureza.

5) Reino dos semideuses

Orgulho é a emoção germe. É ligado à realização pessoal e é com frequência territorial. Ter inclinação para ira, inveja.

Chacra da garganta – ações iradas, falas ameaçadoras.

Antídoto: Grande paz e humildade quando descansamos na nossa verdade nata.

6) Reino dos deuses

Emoção germe: distração agradável

As cinco emoções negativas estão igualmente equilibradas como as cinco vozes em um coro.

Os Deuses se perdem num estado inebriante de alegria preguiçosa e prazer egocêntrico. Necessidades satisfeitas, desejos saciados. Perdidos nisso não voltam para a libertação.

Chacra da coroa – Antídoto para alegria egocêntrica: compaixão abrangente que surge espontaneamente através da realidade que está por trás do Ser Humano.

Fonte: Os Yogas Tibetanos do Sonho e do Sono – Geshe Tenzin Wangyal Rinpoche – Ed. Devir