por Roberto Goldkorn
Conheci um sujeito num bar bebendo todas e falando alto. Suas gargalhadas estrepitosas me chamaram a atenção e quis o destino que no fim da noite ele estivesse sentado à nossa mesa. Muito curioso, fui sondando para entender o motivo de toda aquela alegria, em meio ao pior cenário pelo qual passa o país e por que não dizer o mundo.
Sabia que não podia contar com uma confissão lúcida, já que pelos meus cálculos ele havia tomado umas vinte cervejas junto com a sua turma. Mas supreendentemente ele ficou sério na hora de responder sobre as suas razões para a alegria esfuziante. “Eu sou alegre por natureza. Veja bem eu tenho amigos! Estou desempregado há dois anos, mas está tudo bem. Não me falta comida, nem bebida, nem mulheres que me queiram. Eu faço os outros riem, é um dom.”
– E o futuro? Alguém perguntou.
– Não sei, não esquento a cabeça com isso, ele respondeu e emborcou mais uma garrafa de cerveja, que naturalmente nós iriamos pagar.
– Você não se preocupa com a crise, com o dia de amanhã? A mesma pessoa insistiu curiosa, esperando alguma resposta divertida ou um clichê do tipo: “O futuro a Deus pertence.”
Ele devolveu a pergunta:
– Que crise? E olhou em volta do bar quase vazio.
– Você não lê jornal ou assiste à TV? Foi a minha vez de perguntar.
– Não, não tenho tempo para essas coisas, ele disse rindo sozinho. Sabendo que nós estávamos pensando: “o sujeito está desempregado e diz que está sem tempo”.
– Tenho de usar o meu tempo, para construir…
Ah intervi.
– Você está construindo uma casa?
– Não, eu construo cada dia da minha vida.
Saí do bar quase pela manhã pensando se aquele não teria sido mais um dos tantos encontros mágicos que eu havia tido ao longo da minha vida. Encontros onde bêbados, ou gente sem qualquer instrução, eram usados para que alguma inteligência superior me passasse um recado, ou me desse um “presta- atenção”.
Como sujeito “antenado”, penso que ler e ouvir todas as informações sobre o “mundo atual” pode me tornar mais “inteligente” ou “mais lúcido”. Mas na maioria das vezes, meia hora de noticiário ou de leitura vertical nas redes sociais, pode contaminar meses de “mente elevada.” Eu também construo o dia, cada dia, dia após dia, projeto minha mente acima da teia nefasta e negativa do plano 'imediatal'.
Sou o que se pode chamar um ‘esperancista’, tenho fé no futuro, e dessa fé – meio bailarina, meio voadora – me sustento. Mas, como num estranho ritual masoquista, me coloco de frente para os noticiários que insistem em pintar cenários apocalípticos. Eles não estão errados, em seu ponto de vista ‘imediatal’ (neologismo que acabei de criar), é isso mesmo, por isso costumam errar quase sempre no longo prazo.
Lendo matérias da década de 60/70 (e não só o jornalismo, mas também a cultura da época), o sentimento geral que se podia depreender, era que nós estávamos “nas vésperas da destruição”, sucesso mundial na voz do Barry McGuire (‘We are on the eve of destruction’). Todos achavam que a 3ª Guerra Mundial era eminente.
Quantas vezes eu ouvia profetas de botequim vaticinar que era questão de meses ou de dias, para estourar a primeira bomba em Moscou e depois uma saraivada delas em todas as grandes capitais.
Os antenados davam entrevistas afirmando que eram “os nossos últimos dias sobre o planeta azul”. Participei como palestrante de um evento no Rio de Janeiro, chamado SOS (Seminário de Orientação para a Sobrevivência), conheci lá um grupo de gurus e videntes que aconselhavam americanos ricos a comprarem terrenos no planalto central, porque era um dos poucos lugares que ficariam intactos depois da grande hecatombe universal. Muita gente acreditou.
Naquela época, minha fé ‘esperancista’ era ainda maior que agora, por isso não deprimi, nem me suicidei, nem comprei terrenos no Planalto Central.
Depois vieram os cânticos funéreos da virada do milênio: “Aos 2000 chegarás, mas de 2000 não passarás!”. Passamos e já estamos com 17 anos de lucro!
Dentro de mim, porém esses atores em conflito não estão se engalfinhando sem danos colaterais. Tenho um realista, um otimista e um pessimista, mas acima de todos esses atores, tenho um ‘esperancista’ que atua em outro nível vibratório.
O ‘esperancista’ não precisa se embriagar para aguentar o tranco, não se aliena desligando a TV, nem tampa os olhos e os ouvidos para bloquear as más notícias. Ele passa o dia construindo o dia, mas as antenas estão tocando as estrelas e ouvindo outro tipo de canção.
O ‘esperancista’ sabe que não basta sobreviver fisicamente, é preciso sobreviver em “espírito”. Claro que existe um preço a pagar por insistir em permanecer no mundo, o ‘esperancista’ não reina sozinho, não é um ditador, portanto, é roubado, arranhado e alimentado pelos outros atores e pelo mais poderoso deles o Tempo. Mas se existe uma briga que vale apena é essa.
Dizer que diante das famílias carregadas de filhos pequenos, e das barrigudas cheias de esperança no mundo em que vão viver os que ainda nem nasceram, fico impávido e sorridente, seria mentira. Às vezes, mordo o lábio inferior e franzo a sobrancelha direita. Mas logo lembro que já fiz isso diante de crianças e barrigas de oito meses, na década de 70, e me lembro do meu ‘esperancista’ de plantão dizendo: “Relaxe Roberto, o mais douto de todos os futuristas nada sabe do futuro”, e voltava a sorrir.
Hoje, novamente sombras sinistramente poderosas se levantam no horizonte, é o que vemos e sabemos. Porém, sóis ainda mais poderosos estão brilhando além da nossa vã filosofia. É nisso que o ‘esperancista’ confia. É apenas uma fé? E como a gente sabe, a fé apenas não sabe nada das crises e ameaças reais. É verdade, mas a fé que sustenta o meu ‘esperancista’ tem sua base de razão, ela sabe um pouco de História, ela não sofre de amnésia. É um tipo de fé diferente, porque alimenta a mente de sóis espirituais, embora não permita que os pés saiam do chão. Como dizia poeticamente o compositor baiano “andar com fé eu vou que a fé não costuma falhar”.
No fim, mesmo se não nos damos conta, e uma questão de escolher as peças com as quais vamos jogar o jogo do viver, e não esquecer das escolhas feitas quando começa a trovejar.
‘Esperancistas’ podem contribuir para que suas esperanças se confirmem. Para isso, é preciso manter o sorriso confiante fazer planos para o futuro.
Uma historinha que li nos anos 70, sustenta o meu ‘esperancista’ em suas crises sazonais. Era mais ou menos assim: Um alemão estava meditando num mosteiro zen no Japão. De repente, um terremoto começa a sacudir tudo, e ele se levanta lépido e começa a fuga em direção à porta. De repente, sentindo-se talvez solitário em sua fuga, pareou por um instante e olhou para trás. O mestre e os outros discípulos japoneses estavam lá sentados em zazen, impassíveis. Ele meio envergonhado, voltou para o dojo, que nem um cachorro que caiu da mudança. Passados os tremores, no final da meditação, ele não se conteve e questionou o velho mestre: “Mestre, por que com o terremoto sacudindo tudo ninguém tentou fugir?”
O mestre, esperou por alguns segundos, para criar um suspense- penso eu – e perguntou ao discípulo alemão: “Meu filho, onde era o terremoto?”
“Lá fora”- respondeu rapidamente o ocidental.
“E você ia correr justamente em direção ao terremoto? Se o terremoto é lá fora, o único lugar seguro para se esconder, é dentro de si mesmo. Era o que estávamos fazendo e por isso continuamos.”
Meu ‘esperancista’ convoca a todos para se refugiar no espaço interior criado laboriosamente por cada um – templo e fortaleza.