por Danilo Baltieri
Depoimento de um leitor
“Sou padrasto de um menino com déficit de atenção. O pai era usuário de cocaína. Hoje a criança tem seis anos, é bem inteligente, agitada e tem dificuldades no aprendizado. O que fazer? Aguardo.”
Resposta: Responder a esta pergunta não é uma tarefa simples, visto que diferentes fatores genéticos e ambientais interferem na causalidade de muitos dos transtornos mentais. Mesmo assim, correrei o risco de ser superficial.
De fato, adultos portadores do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) demonstram uma chance muitas vezes maior do que os não portadores de transtornos mentais de abusar de substâncias psicoativas (alguns estudos apontam chance de até 300 vezes maior).
Estudos também estimam que entre 15% e 25% dos adultos com problemas com o uso de substâncias psicoativas portam TDAH. A comorbidade (coexistência) entre o abuso de substâncias psicoativas e o TDAH é bem estabelecida na literatura. Sobre esta comorbidade, não há dúvidas.
A transmissão genética de ambas as condições individualmente têm embasamento científico, visto que vários genes (principalmente alguns ligados ao neurotransmissor chamado Dopamina) têm sido identificados e associados principalmente ao TDAH. Todavia, não é condição totalmente suficiente nem tampouco direta para uma herança unicausal.
Não há como afirmar, além de uma dúvida razoável, que alguém desenvolverá TDAH em virtude da mesma ter seu genitor dependente de cocaína. Vários fatores podem e de fato interferem na gênese destes problemas, tanto genéticos quanto ambientais.
Mas, vejamos:
a) o genitor parece ser portador de problemas com o uso de cocaína;
b) sendo a assertiva do item “a” uma verdade, a chance deste genitor também ser portador de TDAH seria considerável; porém, não certa ou definitiva;
c) quase 2.000 estudos têm investigado a herdabilidade genética do TDAH, com resultados interessantes e consistentes. Porém, como dito, uma associação direta e unicausal jamais seria suficiente neste momento para este caso.
Estudos familiares e centrados em genes específicos têm sido intensivamente desenvolvidos entre portadores de TDAH, demonstrando forte evidência de que os fatores genéticos explicariam cerca de 70% da chance de desenvolver o problema entre filhos de portadores. No entanto, a determinação exata dos genes responsáveis pelo problema está ainda sob intensa investigação e confirmação.
O TDAH está relacionado a déficits de funcionamento em várias áreas cerebrais, como córtex pré-frontal, gânglios da base, cerebelo, córtex parietal e temporal. Estas áreas são importantes para diferentes funções cognitivas e afetivas, tais como inibição de resposta, memória, planejamento e organização, controle impulsivo, atenção, motivação, dentre outras.
O que fazer com um filho portador de TDAH?
Obviamente, ele precisa ser tratado por equipe interdisciplinar, o que inclui, pelo menos, médico psiquiatra e psicólogo familiarizados com o problema e com os avanços em terapêutica. Quanto mais precoce for o processo de diagnóstico e de tratamento, melhor será o prognóstico.
Não se esqueça de que o TDAH pode continuar da infância/adolescência para a vida adulta. E, na vida adulta, os problemas relacionados a esta doença permanecerão e poderão complicar a vida do portador ainda mais.
Não perca tempo. O seu enteado necessita ser adequadamente avaliado e, sendo portador do problema, tratado de acordo.
Boa sorte!
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.