por Ceres Araujo
O ser humano é um caso de prematuridade entre as espécies. Nasce após nove meses de gestação e não tem condições de sobrevivência, se não for cuidado por um outro ser da mesma espécie. Além disso sabe-se hoje, que o bebê só desenvolve seu cérebro e sua mente em função das relações interpessoais que estabelece com seus cuidadores primários.
É em decorrência das relações intersubjetivas entre a criança e a pessoa que cuida dela que a intrasubjetividade, isto é o espaço mental da criança começa a se desenvolver. Dessa forma, são muito importantes as experiências de relacionamento nos primeiros tempos de vida.
Estabelece-se uma relação de "pertença". Predominam nessa época os chamados dinamismos matriarcais. A criança se sente pertencente à sua mãe, ao seu pai, ou seja, a quem cuida dela, a alimenta, a protege e a contém. A sensação de pertencer a alguém é a base do sentimento de segurança que o ser humano deve carregar ao longo de sua vida que, por sua vez, determina os movimentos de afirmação pessoal e a busca de autonomia e independência necessárias. Os estudos da Psicologia dedicaram-se e se dedicam exaustivamente às inter-relações dessa fase, dada sua vital importância.
Durante toda a primeira infância, mais ou menos até o quinto ano de vida, é essa relação de "pertença" que domina as interações da criança com os adultos que lhe são significativos. Nessa época, os pais escolhem situações lúdicas que agradam aos filhos e mesmo o brincar com eles gira ao redor dos interesses infantis. Temos a mãe-mãe e o pai-mãe tomando conta do filho.
Na passagem para a segunda infância, inicia-se uma forma de relação peculiar. A relação pais-filhos se torna uma ligação de companheirismo. Essa forma de relacionamento é diferente da relação de "pertença". Agora, no brincar, as interações começam a se tornar mais simétricas. Tem-se que descobrir o tema que necessariamente agrada aos dois, criança e adulto, e então, parte-se para a atividade. Descortina-se para os dois uma amplitude de possibilidade de realizações.
Não se trata mais de levar a criança ao parquinho e cuidar para que ela se divirta e não se machuque, de sentar no chão e brincar de carrinho ou de casinha e etc.. Descobrindo o que os dois gostam de fazer juntos, aprimora-se a relação de companheirismo e, aí sim, em função disso, acontecem as trocas afetivas e também as cognitivas. É evidente que a relação de companheirismo não se estabelece apenas a dois. Agrupamentos diferentes podem ser criados: o casal e os filhos; o pai e o filho; a mãe e a filha; o pai e a filha; a mãe e o filho, o pai e os filhos; a mãe e os filhos etc.. Porém, a relação a dois tende a ser a privilegiada na relação de companheirismo, por se estabelecer justamente em função da atividade de interesse comum. Nem sempre a família toda aprecia os mesmos eventos. Os interesses em comum surgem determinados pelas identificações mais fortes que acontecem nas famílias.
Valem as atividades bem simples, como por exemplo: assistir juntos ao mesmo programa de tv, torcer para o mesmo time de futebol e assistir junto ao jogo, andar de bicicleta, ir ao cinema para assistir filmes de mútuo interesse, montar grandes quebra-cabeças, montar carros de controle remoto, ir a livrarias, sair para tomar determinado sorvete apreciado, ir comer comida japonesa e etc..
Também é interessante programar para feriados ou férias, lugares onde se possa praticar atividades esportivas que sejam de interesse comum, ou lugares que permitam exploração de espaços geográficos ou históricos. É uma forma de lazer que permite, tanto para o adulto como para o filho, a aventura, o desbravar do novo em companhia privilegiada.
Na primeira infância a possibilidade de evocação do que se viveu, por meio dos processos de memória, é incipiente, mas, a partir da segunda infância, as experiências vividas e armazenadas conseguem ser evocadas. Muitos de nós, adultos, nos lembramos de situações onde fomos companheiros de nossos pais no brincar ou no passear. São lembranças indeléveis, presentificadas em muitos momentos de nossas vidas.
Se as relações de "pertença" nos garantem a segurança na vida futura, as relações de companheirismo, vividas com os pais ainda na infância, servem como aprendizado e asseveram a disponibilidade para relações de cooperação e colaboração com os demais. Tal disponibilidade é importantíssima para as relações amorosas, sociais e profissionais em toda a vida. Cumpre salientar, finalmente, o relato emocionado de muitos pais a respeito do imenso prazer vivido em situações com o filho companheiro.