por Ceres Araujo
Uma pessoa criativa não é uma pessoa normal com algo que se adicionou a ela, mas uma pessoa normal sem que nada tenha sido tirado dela.
A mente é uma entidade construída lentamente na evolução.
Ela emerge da atividade do cérebro, cujas estruturas e funções são formadas diretamente pela experiência das relações interpessoais. Dessa forma, é na relação com as pessoas que cuidam dela que a criança desenvolve sua mente, da maneira mais individual possível.
Na nossa cultura ocidental, desde crianças somos estimulados a desenvolver mais nossas funções racionais que nossas funções sensoriais. Incentiva-se mais o processamento dos estímulos cognitivos e menos o processamento dos estímulos emocionais. A ética coletiva do certo e errado predomina sobre a ética individual do “que faz bem para mim e do que não faz bem para mim”.
Desde bem cedo, o pensamento lógico e racional é treinado, assim como sua manifestação mediante à capacidade precisa da linguagem. Quando uma criança, por exemplo, acerta a soma, subtração, multiplicação ou divisão, ela recebe aplausos de pais e professores. O fato é que há certa naturalidade em prestigiamos mais as habilidades racionais da criança do que as habilidades que estão em outros campos, pois durante a vida, acredita-se, serão essas as habilidades mais necessárias.
Surge uma pergunta: É um erro os pais prestigiarem tanto o desenvolvimento racional de seus filhos quando crianças? Não. Porém, é preciso tomar cuidado com a unilateralidade da estimulação. O lado racional sozinho não se sustenta, se não tiver por fundamento as funções sensoriais e se não tiver sido integrado às vivências emocionais.
A construção do conhecimento de si mesmo e do mundo é algo muito complexo. O bebê nasce pronto para aprender com os outros seres humanos. Sua primeira forma de aprender é o brincar. A atividade exploratória e funcional dos primeiros meses de vida evolui rapidamente para a atividade da imaginação, a qual abrange e impregna toda a vida da criança. Essa é a origem da manifestação do potencial criativo do ser humano. Potencial criativo que pode e deve ser atualizado ao longo de toda a vida.
Viver mais no mundo das imagens que no mundo das ideias, ficar imersa no faz-de-conta, dá à criança um lastro de vivências de coragem, ousadia, otimismo e idealismo. Crescendo, por meio do brincar fantasioso, a criança treina competências, lida com o passado, enfrenta o presente e se prepara para o futuro.
Até cinco anos, fantasia e realidade não têm fronteiras muito nítidas. Desejos se confundem com fatos. O treinamento das funções lógicas, racionais surgem como um fator importante para ajudar a necessária separação entre a fantasia e a realidade. Entretanto, ele não pode abolir a fantasia, a função da imaginação, pois isso seria abolir a base da criatividade.
Crianças precisam de limites, regras, normas e disciplina e precisam saber o que é certo e errado, pois só assim se tornarão seres civilizados e diferenciados. Mas, não pode ser retirado delas o desejo inalienável de brincar e imaginar e a possibilidade de crescer como seres criativos.
A criança bem jovem é o super-homem. Mais tarde, ela brinca de ser o super-homem. São situações bem diferentes, mas as duas deixam rasgos de memória indeléveis na mente. Para o ser humano crescer e se estruturar, ele precisa separar realidade de fantasia, mas a função da imaginação permanece como a ponte possível e desejável entre essas duas dimensões, permitindo sempre o acesso à fonte da criatividade.
Existem pais que treinam e reforçam o aprendizado racional de seus filhos, mas que também estimulam as habilidade da imaginação deles. São pais que apreciam brincar e fantasiar com seus filhos. Provavelmente são adultos que mantiveram viva dentro de si, o que Carl Gustav Jung chama de “eterna criança”.
A “eterna criança” é um símbolo que une opostos, é o que torna o homem íntegro, saudável, é o símbolo do novo, do desenvolvimento criativo. Representa a mais forte e a mais inelutável necessidade em cada ser, a necessidade para realizar-se a si mesmo. Manter o contato com a criança dentro de si, é uma prerrogativa divina, pois facilita o próprio crescimento e o acompanhar do crescimento dos filhos. Pais criativos criam crianças criativas.
Vale, finalmente, lembrar que ser criativo não é o resultado de uma série de habilidades que foram sendo incutidas durante a vida. Ao contrário, ser criativo é o resultado de não ser suprimido de uma série de potencialidades que se nasceu com elas.