por Roberto Goldkorn
Uma grande figura do ocultismo inglês do início do século XX Annie Besant, declarou: “Pelo menos 50% dos males do mundo se devem as palavras vãs.”
Talvez ela esteja errada, creio que a porcentagem seja bem maior.
Lembro-me de quando dei uma entrevista a um jornal no Rio de Janeiro, opinando “sabiamente” sobre a polêmica dos Pit Bulls. Estávamos todos sob o impacto da morte de uma criança atacada por dois cães da raça e já era uma repetição de acidentes anteriores envolvendo a mesma raça. Eu do alto da minha sabedoria de vinte e poucos anos decretei: “Sou a favor da eliminação dessa raça!”
Mais uma vez (felizmente dessa vez) ninguém me ouviu. Anos depois entrei em contato com vários Pit Bulls, e fui completamente seduzido pelo carisma, simpatia e docilidade da raça. Hoje sou apaixonado pelos cães que apesar de sua imensa força, são capazes de serem dóceis e brincalhões. Imaginem se a minha palavra tivesse algum peso na época!
Os celtas e incas não desenvolveram a escrita. Não por incompetência, mas por acreditarem ser altamente perigoso cristalizar ou perenizar as palavras criaturas do Ar.
Eles acreditavam que se as palavras fossem vãs o vento as levaria. Se fossem relevantes os ouvidos certos as recolheriam e as línguas certas as passariam adiante. Por isso gravá-las para a “eternidade” seria por um lado perigoso por outro inútil.
Em todos os níveis sociais falamos muita bobagem! Mas muita mesmo. Isso não se faz impunemente. Palavras têm uma energia, são como notas que dedos hábeis tiram das guitarras.
Palavras viajam e encontram seus destinos, nem sempre aqueles que almejamos, como flechas disparadas que acabam ganhando uma rota só delas.
Quando foi criada, a linguagem oral tinha por objetivo comunicar ao outro aquilo que pensávamos. Por isso sobrevivemos e por isso chegamos onde estamos.
O homem civilizado conseguiu uma proeza, falar aquilo que não pensa, sendo pensar sinônimo de acreditar.
Às vezes observando entrevistas de políticos ou outros homens e mulheres públicas, fico imaginando, como eles conseguem. Como conseguem viver naquele desvio onde os verdadeiros pensamentos não são expressos pelas palavras correspondentes e sim por outras, postiças, falsas, vãs. Isso naturalmente não se faz impunemente.
As pesquisas de comportamento mais modernas sabem que qualquer mentira que dizemos gera um estress físico e emocional. Mentiras que representem uma dissociação muito grande, geram uma fratura interna, e uma inundação de substâncias químicas (como o cortisol e a adrenalina) que assolam nosso corpo.
Mentir, falar bobagens, proferir palavras como flechas envenenadas atiradas a esmo, geram sim consequências. Não só para quem profere mas para todos os que ouvem. Essa é uma das mais graves formas de poluições da civilização moderna.
Quanto mais criamos mecanismos que melhoram a nossa comunicação mais abrimos canais de escoamento das palavras vãs. Esse é um triste paradoxo.
Venho tentando me autofiltrar, uma vez que o meu ofício é justamente o da comunicação. Vivo das palavras, tenho fascínio por elas.
Baseado nas besteiras e falsificações que perpetrei no passado (às vezes nem tão distantes) me condicionei a perceber com mínima antecedência quando as palavras vãs sairão da minha boca e isso dispara um alerta. Um pré-desconforto.
Também estou preso a essa armadilha, de não poder falar tudo o que verdadeiramente penso, da maneira que gostaria de expressar, de forma direta, desaforada, sem freios.
Não posso – sou um animal social – tenho meus “rabos presos”.
Minha primeira lição foi quando aprendi na rua a palavra “babaca”, achei que seria sinônimo de boboca. Logo depois numa brincadeira com meu irmão resolvi estrear a minha nova palavra. Foi a última coisa da qual me lembro, antes de ser atirado por uma força poderosa ao chão. Quando abri os olhos estava deitado no chão olhando meu pai furibundo que dizia: “Não admito esse tipo de vocabulário aqui na minha casa”.
Além de outras coisas aprendi com esse episódio doloroso, que não devemos falar sem saber o significado ou significados possíveis daquilo que falamos.
Como artífice da palavra faço o máximo para expressar meus verdadeiros pensamentos de uma forma que não me atraia tantos dissabores em retorno. Tenho tentado calar também quando não encontro as palavras certeiras que expressem minhas verdades, da maneira mais honesta.
Quando algum alerta de perigo se instala, sigo o sábio conselho de minha irmã: conto até dez, antes de apertar o gatilho da língua.