Por Eduardo Carmello
Julgamentos, ideologias, preconceitos e interpretações estão sendo geradas aos montes, somente porque o amigo, jornalista, acadêmico, religioso, político disse que é verdade! Aceitamos quase tudo sem nem sequer saber se realmente é um fato, se indicadores, dados ou outras pessoas imparciais são apresentadas como provas verídicas de que a história é exatamente como foi dita. Já sentiu uma pontinha de vergonha de compartilhar um post ou uma história, que dois dias depois, descobriu que não era verdade? Estranha a sensação, não?
Veja se você já aconteceu com você:
Alguém que você considera muito importante te diz:
– Nossa, sabe que o fulano disse isso e fez tal coisa pra mim?
E você responde:
– Sério? (falha número 1 – o normal é aceitar "a versão" da pessoa importante como verdade absoluta, porque, em tese, é alguém em quem confiamos cegamente)
Então você dá sequência:
– Como foi?
E seu amigo importante, emocionado diz:
– Primeiro ele falou isso, depois disse aquilo e me ofendeu com aquela ação e eu fiquei muito, mas muito mal.
(falha número 2 – Você, de novo, aceita tudo o que ele fala, pois nosso cérebro tende a ficar bastante comovido e empático com pessoas que "parecem" vítimas, desprotegidas, inofensivas e ingênuas. Nesse momento é bem comum você se conectar com o modo "emocional" e desligar o "racional". Você acompanha a versão da história e vai acreditando em tudo, sem questionar profundamente ou ficar imparcial, afinal, o "contador da história" é alguém muito importante pra você.
Mas, depois de uns dois ou três minutos, você sente que umas partes da história contada não têm lógica, que há generalização, distorção, omissão, drama ou incoerência entre os fatos. Mesmo assim, você não corta a pessoa para fazer questionamentos ou perguntas, não é? Vai soar muito estranho e você pode ser visto como inimigo, ou amigo do "fulano mal".
Imagine por um instante você perguntando ao seu amigo importante:
– Ok, entendi, mas, ele te disse isso porque que você agrediu ou provocou tal reação nele! Esperava o quê? Que ele ficasse quieto, passivo, submisso?
– Calma, não é bem assim! Nós trabalhamos juntos e eu vi que o nosso chefe já havia lhe avisado três vezes da sua falta de comprometimento com a entrega do trabalho. Por isso ele gritou com você, não por que ele tem inveja de ti.
– Sim, mas o fato de ele te dizer que não gosta e não confia no Partido “X”, não significa que ele não gosta e não confia em você. São coisas completamente diferentes. Está colocando tudo num mesmo saco.
– Mas de onde você tirou que homens e mulheres são todos iguais e fazem isso a vida inteira?
– Espera, mas quem te disse que religião está acima da Constituição? Ele não quis te ofender, só quis lhe explicar a situação.
– Mas, por que está exigindo algo dele que é você que tem que se esforçar para conseguir?
– Não senhor! Ele não disse que você não presta e é um mau talento. Isso você é que está interpretando. Ele disse simplesmente que você não estava entregando à altura do que você mesmo prometeu entregar. Não distorça a informação.
Ou então…
– Pare, não pire! O fato de eu concordar com ela nesse ponto, não significa que estou do lado dela, nem significa que estou contra você. Só estou tentando ser justo. Se você a machucou porque ela te ofendeu, você também é agressivo. Quem perde a razão não tem razão!
Talvez por medo de perder o amigo "importante", receio de gerar uma tensão desnecessária ou até porque nós, lá no íntimo, gostamos de espalhar boatos como verdades pra ver o circo pegar fogo, nós deixamos as coisas como estão.
Acreditamos e aceitamos a superficialidade das histórias contadas, sem nenhum crivo de verdade, realidade ou justiça. Ser um questionador, imparcial, profundo não dá status e pode fazer com que se perca muitos amigos "importantes". Mas também pode levá-lo a conhecer pessoas "interessantes", mais justas e com pontos de vista que podem ajudá-lo a crescer e ser mais íntegro. Pois não há liberdade sem pensamento, sem reflexão, sem questionamento.
E não há pensamento sem profundidade suficiente que ultrapasse a ilusão, a crença, a fofoca e a verdade absoluta do amigo "importante".