por Edson Toledo
Após merecidas férias, e com pensamentos frescos, pensei em escrever – aproveitando nosso momento socioeconômico e político, – sobre a Utopia: uma narrativa sobre como é viver em uma republica ideal. Você pode achar que o tema não é pertinente à saúde mental, eu particularmente tenho meus motivos para discordar de você caso pense que não. De qualquer forma, tire suas próprias conclusões.
A palavra 'utopia' foi inventada por Thomas More (canonizado como São Thomas More em 1935), como peça fundamental de seu famoso livro homônimo, publicado em 1516, há precisamente 500 anos. Quero aproveitar para deixar essa boa dica de leitura, na minha modesta opinião.
Utopia era o nome de uma ilha remota do Atlântico onde vivia uma civilização ideal, isenta de todos os males e perversões que devoravam a sociedade inglesa daquele tempo (More era inglês, de Londres). Utopia (criada a partir dos termos gregos "u" – não -, e "topos" – lugar) significando assim, lugar que não existe, permitia discorrer sem receios sobre a forma perfeita de governo a que o povo deveria se sujeitar.
A utopia foi um gênero literário que se adaptou bem à discussão sobre a melhor forma de governar e por quem deve ser exercida. Este tema acompanha-nos, pelo menos, desde os gregos clássicos. Platão, no seu diálogo Timeu e Crítias, situa a ficção da (ilha da) Atlântida no passado – para beneficiar-se da autoridade histórica. E a última grande utopia, a Nova Atlântida de Francis Bacon (conhecido como o fundador da ciência moderna), publicada em 1627, um pouco mais de um século depois da Utopia de More, descreve o mundo perfeito onde os homens dominam a natureza por meio da ciência moderna; é dele a ideia de que saber é poder.
O progressivo conhecimento geográfico do globo trazido pelos descobrimentos esvaziou inexoravelmente o sentido da escrita utópica, já que os lugares mais remotos do mundo não continham de fato sociedades que pudessem servir de modelo às europeias. E quanto aos outros territórios mais bem conhecidos… Bem sabiam os nossos antecessores que também não. Apareceram então as "ucronias" (expressão surgiu em 1876 por obra de Charles Renouvier, que a utilizou no título de seu romance Uchronie) comunidades ficcionais de tempos que não existiam, situadas num futuro mais ou menos distante. Foi, portanto, o relativo sucesso dos regimes liberais da modernidade – hábeis na gestão dos conflitos entre igualdade (política) e desigualdade (econômica) – compatibilizando práticas antagónicas, tais como a da cidadania e a da propriedade privada, a causa do declínio do valor das utopias; e fez-se então emergir as ucronias.
Os desmandos da industrialização e os horrores das guerras do século passado trouxeram um tipo de narrativa: as "distopias" ou lugares ruins, com todo o seu cortejo de infelicidades e arbitrariedades, ou seja, a antítese da utopia.
O mundo mudava e as nações pareciam ter perdido o norte.
Hoje, a globalização coloca-nos outra vez perante uma imagem muito diferente do mundo nesse século XXI. Temos de novo entre mãos a questão de definir qual a melhor forma de governo a que devemos aspirar. Ou seja, vemos reaparecer novamente a necessidade do espírito de utopia.
Será a democracia a resposta que procuramos? Mas qual democracia? Não a dos gregos clássicos, certamente: nenhum texto escrito por autores atenienses celebra a democracia. Nem por certo a dos americanos, que sacraliza a submissão total aos ditames da alta finança. Teremos de procurá-la nós próprios, errando e inovando no caminho do futuro, criando uma nova utopia que nos sirva a contento e que faça vibrar a alma coletiva da humanidade.
Talvez por isso seja que estamos sempre procurando o futuro, porém nunca o encontramos. Tal como dizia o escritor francês, falecido em 1951, André Gide: "Acredite naqueles que procuram a verdade. Desconfie dos que a encontram".