por Renato Miranda
Este é o terceiro e último artigo da série sobre as metas reais e irreais no esporte, os artigos anteriores são:
Bem… vamos agora à conclusão da série.
Nos anos 80, eu era preparador físico de voleibol em um clube em Juiz de Fora (MG). Naquele tempo havia um garoto que se destacava dos demais, não por ser o melhor, embora estivesse no grupo dos melhores das categorias infantil e posteriormente infanto-juvenil.
Realmente o que chamava a atenção de todos era sua resistência psicofísica aos treinamentos, sua concentração e o prazer em treinar e competir. Não era raro, alguém do clube ligar para seus pais e avisá-los que o treino já havia terminado há horas, mas ele insistia em treinar com as categorias superiores (juvenil e adulto).
Acabo de relatar exatamente aquilo que respondo ao me perguntarem o que mais me impressionava no ex-jogador Giovane da seleção brasileira masculina de voleibol, quando este era apenas um dos inúmeros jovens promissores de sua época.
Essa sua característica foi tão marcante que anos mais tarde, quando Giovane já era da seleção masculina adulta e o Brasil se preparava para o Campeonato Mundial no Rio de Janeiro (1990), todos os fins de semana de folga, Giovane se encontrava comigo para a realização de treinos psicofísicos.
Outra consideração relevante é a respeito do desejo do (a) atleta em realmente se dedicar ao esporte competitivo com vistas ao rendimento superior e tentar ingressar no alto nível da prática esportiva. Muitas vezes, a força que impulsiona o (a) atleta na carreira esportiva se justifica prioritariamente mais pelo desejo dos pais do que do (a) filho (a), embora, como já vimos nesta coluna, como a influência dos pais pode ser positiva. O problema é quando os pais assumem as atividades dos filhos como se fossem as suas e passam a acreditar que seus desejos (dos pais) são os mesmos do filho (a).
Em uma outra ocasião, no início dos anos 2000, quando o tenista Gustavo Kuerten, o Guga, era consagrado nas quadras de Roland Garros, na França, encontrei-me com o experiente técnico de tênis e ex-jogador profissional Carlos Aberto Kymair. Falávamos como os resultados do Guga haviam motivado a prática do tênis no Brasil. Foi quando, em tom de preocupação, disse: “O número de praticantes tem aumentado muito, o problema é que tem pai de garotos iniciantes ‘gastando dinheiro por conta’ ”. O que significa dizer que esses sãos os pais que por impulso acreditam piamente que seus filhos chegarão ao topo do sucesso.
Quando estivermos diante de uma criança ou adolescente que tem amplas condições psicofísicas e de infra-estrutura para almejar algo mais contundente no esporte, primeiramente não devemos esquecer que o esporte não é uma atividade fim, mas um dos mais variados meios que pode assegurar saúde, bem-estar e auxílio na formação de uma personalidade plena.
Personalidade equilibrada
Fico feliz, quando pais de atletas na tenra idade me escutam ao explicar-lhes que se depois de alguns anos de treinamento, no final da adolescência, nossos esforços, auxiliaram na construção de uma personalidade emocionalmente equilibrada, responsável, saudável, com hábitos edificantes e desde cedo um exemplo a ser seguido, independentemente do (a) atleta ter se tornado (a) um (a) profissional de sucesso, poderíamos dizer que obtivemos sucesso.
Apoio familiar, influência positiva dos pais, treinamentos de qualidade, respeito ao jovem, descanso, oportunidade e sinceridade de todos os envolvidos no processo de treinamento, são elementos fundamentais tanto para se obter resultados reais ou ao menos, servir para que o (a) atleta, em determinado momento tenha condições de fazer uma boa auto-avaliação, a fim de decidir exatamente qual rumo sua vida deverá seguir.
Busca pelo sucesso fácil
Muita gente quer usufruir do sucesso no esporte, mas nem tantos querem se dedicar o quanto é necessário. Observo freqüentemente atletas que almejam o profissionalismo e crêem absolutamente que vão conseguir, no entanto, ao observar a rotina de vida desses atletas, rapidamente avalio que dificilmente lograrão êxito.
Não há mágica nesse processo, olhemos para o lado e descobriremos que em qualquer atividade ou profissão do ser humano, aqueles que alcançam níveis de excelência são em sua grande maioria os que dedicaram parte de suas vidas à própria atividade.
Sucesso só com dedicação integral
Em resumo, o que gostaria de dizer àqueles que querem preparar metas reais em vez de metas irreais é que o atleta promissor é um especialista, é livre em escolher seu caminho e por tudo isso sua vida é limitada. Explico: a partir do momento em que o talentoso (a) atleta decide, livremente, pela possível carreira esportiva, ele se torna um sujeito limitado, principalmente socialmente.
Sua rotina de treinos não permitirá flexibilidade de atividades, horários e lazer noturno. O círculo de amizades tende a ser reduzido, sua alimentação é regulada, o calendário de competições impõe sacrifícios na escola e pouco usufruto social durante férias e descansos nos fins de semana e feriados. Enfim, uma série de exigências naturais, para aqueles que almejam a excelência, terão obrigatoriamente de serem atendidas.
Durante algumas de minhas consultorias, há por vezes, alguém a afirmar que determinados atletas consagrados dizem não abrirem mão de uma vida comum e com direito a noitadas e etc. Argumento da seguinte maneira; é preciso checar se realmente isso é fato ou apenas um “jogo” de cena do (s) atleta (s), se for verdade, avaliar o quanto ele (s) poderia (m) ser ainda melhor (es) se tivesse (m) uma vida limitada e por último, será que esse atleta faria o mesmo antes da consagração? Ou seja, pensaria e agiria da mesma forma quando era jovem e apenas um aspirante ao profissionalismo? Não sei!
Para terminar, gostaria de registrar que talento não é uma dádiva em si, é, na verdade, uma possibilidade peculiar e especial que as pessoas têm para manifestar toda sua energia. As conquistas que poderão advir é resultado de luta e muita dedicação. Descobrir qual é o nosso talento em potencial e colocá-lo no rumo certo, para triunfarmos, é um grande desafio para todos; todavia vale lembrar um dito popular chinês que diz: “No mundo, há sucesso para todo mundo!”.