por Patricia Gebrim
A música mal tinha começado, a pista de dança estava surpreendentemente vazia, uma oportunidade deliciosa para uma pessoa que está lá pelo prazer da dança. Eis que observo a cena. Um cavalheiro chega e tira uma moça para dançar. A morena, alta e elegante, aquiesce na hora. Por sua empolgação percebia-se facilmente que estava louca para dançar, trocar passos, se divertir, brincar com a vida. Com um sorriso lindo no rosto e estrelas nos olhos, ela seguiu com ele por entre os casais que dançavam, e começaram a ensaiar alguns passos. Ela, toda soltinha e feliz. Ele, duro, travado, tentando se lembrar dos passos que um dia achou ter aprendido em algum lugar da Venezuela, como o ouvi relatar, cheio de orgulho.
Mal trocaram dois passos e ele começou a criticá-la. Educadamente, ela tentava seguir a sequência complicada de passos que ele sugeria, aliás, a única que ele sabia realizar, por isso o seu desespero em ser fiel à “técnica”. Improviso era algo com o qual aquele homem nunca poderia sonhar! A coisa não fluía bem, as coisas não aconteciam como ele achava que deviam acontecer, ele foi se irritando, o sorriso dela foi murchando.
Afinal tudo o que ela queria era dançar, soltar o corpo, mover-se com leveza e espontaneidade ao som da música. Ele, cada vez mais compenetrado, começou a explicar os passos, como se explica a alguém como montar um aeromodelo de uma estação espacial russa. Ela, frustrada, já se perguntava o que estava fazendo ali. Ele continuou, completamente cego, sem perceber a graça e a beleza daquela mulher, que ia escapando aos poucos por entre os dedos enrijecidos de sua mão cadavérica que, cheia de ossos, esmagava a mão da pobre moça. Foi quando ele resolveu dizer que ela não sabia ouvir a música, que não tinha ritmo. Como foi grosseiro aquele comentário!
Finalmente, ela fez o que já deveria ter feito há algum tempo. Soltou sua mão fina e delicada daquelas garras tomadas por uma espécie de artrite de alma, pediu licença, e foi dançar, sozinha, no meio do salão.
Ele ficou lá, em pé, imitando uma espécie de poste descascado de alta tensão, enquanto ela rodopiava alegre e levemente pelo salão, brincando com outras pessoas que, como ela, não se importavam tanto em fazer sentido. Afinal, ela só queria se divertir.
Que coisa maravilhosa é a nossa capacidade de fazer escolhas. Pense em quantas vezes você ficou lá, parado, paralisado, dançando com alguma situação que só lhe trazia mal-estar.
– Por que fazemos isso? Por que não nos permitimos a leveza de seguir nosso caminho? Para não desagradar ao outro? Para cumprir protocolos? Por não saber dizer não?
Pense em quantas vezes na vida você se viu em meio a uma situação que lhe fazia mal, tentando plantar um falso sorriso em sua face. Chamo isso de autotraição, e a meu ver não há pecado mais mortal. Não há nada pior do que trairmos a nós mesmos, trairmos a nossa verdade, a nossa sensibilidade, a nossa percepção.
A coisa mais libertadora do mundo é sabermos que a nossa vida está em nossas mãos. Podemos passar uma vida inteira nos sentindo mal, sendo desconsiderados, mal interpretados e desrespeitados em um relacionamento, em um trabalho, em uma união. Ou podemos sentir as asinhas que temos nos pés e nos permitir flutuar para longe daquilo que nos rouba a coisa mais preciosa que temos… o tempo, esse tempo raro de vida, dessa vida que, como uma dança, merece ser vivida com brilho nos olhos e leveza no coração.
Vamos dançar juntos? Não há regras, não há movimentos certos ou errados, não há passos russos, venezuelanos a serem rigidamente seguidos, eu prometo! Siga seu próprio ritmo, solte-se, brinque, rodopie como uma criança num movimento poético em que tudo o que importa é celebrar a vida.
Isso, qualquer um sabe fazer, eu garanto!