Pensando a educação: diálogos

por Monica Aiub

Questão de uma leitora: “Li seu artigo sobre Filosofia Clínica e Educação: Encontro com Bachelardclique aqui e leia). Me encontro nele fazendo ciência a partir do preparo de aulas, quebrando juntos cristalizações, e no prazer ou compromisso. Ao participar de dois grupos de conversas com professores sobre a questão da educação básica, senti que eles estão ‘perturbados’, angustiados com questões do dia a dia: remuneração, infraestrutura, violência, drogas, e sem horizontes. Como fazer? Como levar até eles outros modos de fazer? Eles estudam, conhecem Bachelard e outros, mas não conseguem achar o caminho da mudança e do prazer. Como fazer isto se tornar possível? Muitos dos problemas de nossa sociedade não estão aí? Na educação? Pelo menos por aqui eles não sabem por onde começar.”

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Cara leitora, conforme o próprio texto apresenta, esta reflexão é resultado de nossos Encontros de Filosofia Clínica e Educação e das pesquisas que desenvolvemos em nosso Grupo de Estudos sobre as possíveis contribuições do instrumental da filosofia clínica para as questões do cotidiano educacional.

Antes de me tornar filósofa clínica, sempre fui, e ainda sou, professora. Atuei durante 16 anos como professora de filosofia no Ensino Médio, na rede pública estadual de São Paulo. Hoje atuo na Universidade e no Instituto Interseção, graduação e pós-graduação, mas convivo com a realidade da Educação Básica em todos os níveis e, através dos estudos com colegas e parceiros, em diferentes regiões de nosso país, e até em outros países. Conto isso apenas para deixar claro que não estou abordando as questões teoricamente, mas a partir de minha experiência, e das partilhas com os colegas professores, que constantemente trazem suas experiências para nossos Encontros, grupos de estudos e pesquisas.

Diante do que temos coletado nessas e em outras ocasiões, optamos por realizar, neste ano, uma sequência de estudos de autores que não necessariamente abordaram a educação, mas que propõem uma ruptura com os modelos vigentes. Além de Bachelard, conversamos sobre a memética de Dawkins, questionando até que ponto não replicamos elementos culturais que simplesmente reforçam as estruturas vigentes, sem percebermos, tais quais um parasita se replica no interior de seu hospedeiro. Depois conversamos com Foucault e a Microfísica do Poder, pensando como é possível nos apropriarmos do conhecimento das estruturas e de suas brechas, para que possamos construir as “contracondutas” necessárias à solução dessas questões. No próximo Encontro, conversaremos sobre o papel existencial do professor a partir das reflexões de Deleuze.

Contraconduta

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Nossas discussões são, habitualmente, com professores de diferentes níveis de ensino, porque são públicas, abertas. Temos muitas dúvidas, muitas questões, mas cremos que precisamos, como professores, nos apropriar dos processos de produção dos saberes que estabelecem as condutas e, a partir de suas brechas, construir saberes que emanem uma “contraconduta”, no sentido foucaultiano. Foucault utiliza “Contraconduta no sentido de luta contra os procedimentos postos em prática para conduzir os outros” (2008: 266). Não se trata de não querer ser conduzido, mas não querer ser conduzido “desta maneira”. E aqui poderíamos substituir o “desta maneira” pela condição dos professores descrita pela leitora.

Os conflitos abordados por Foucault neste texto, entre os séculos XVII e XVIII, contextualizados no período das revoluções burguesas, apontam para “uma dimensão muito específica que é a da resistência de conduta, dos conflitos em torno do problema da conduta.

Por quem aceitamos ser conduzidos?

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Como queremos ser conduzidos?

Em direção ao que queremos ser conduzidos?”.

Embora neste texto Foucault aborde a questão a partir da perspectiva da constituição da Racionalidade Liberal, traçando seu histórico desde suas origens na pastoral cristã, circunscrevendo, especialmente, o período compreendido entre os séculos XVI e XIX, as perguntas feitas por ele fazem muito sentido se feitas por nós, especialmente, mas não apenas, no contexto educacional.

Nós, cidadãos, estudantes, professores, pais, observamos como, para onde e por quem estamos sendo conduzidos? Queremos ser conduzidos nesta direção? Talvez este seja o primeiro passo a ser dado para construir uma reflexão que possa apontar novos caminhos.

Acredito, sinceramente, na possibilidade de movimentações estruturais nos modos de vida a partir da educação. Mas é preciso ter coragem para construir saberes e partilhá-los. Cabe ao professor instrumentalizar o estudante para ler seus contextos, para identificar, em sua realidade, as necessidades, as possibilidades, os elementos dos quais poderá lançar mão para tais construções. Mais que isso, é preciso mostrar às pessoas que elas podem pensar, é preciso exercitar com elas o livre pensar, é preciso “ousar saber”, pensar por si mesmo, e construir a vida a partir deste saber partilhado.

Se temos problemas estruturais, quais são as possibilidades existentes, ou que podem vir a ser criadas com os elementos que temos, para que tais problemas sejam solucionados? Que tal começar, como os autores citados apontam, pesquisando a realidade na qual nos inserimos, compreendendo a gênese das questões e, a partir desse processo, construindo novas formas de vida? Não é tarefa fácil, nem de resultados rápidos, mas creio ser possível.

O instrumental da filosofia clínica pode auxiliar na leitura dos contextos. Minhas pesquisas iniciais sobre o assunto encontram-se publicadas no livro Filosofia Clínica e Educação: a atuação do filósofo no cotidiano escolar (WAK, 2005), no qual apresento como o instrumental utilizado na clínica, para conhecer o ser humano e os universos que habita, pode ser também utilizado na escola, para conhecer os seres humanos com os quais trabalhamos, e os universos que eles habitam ou coabitam. Assim como na clínica auxiliamos a pessoa a encontrar ou construir formas para lidar com suas questões, para tornar-se; também na educação isto poderá ser feito.

Com isso quero dizer que o educador, em qualquer área, necessita conhecer não apenas os conteúdos de sua disciplina, não apenas o que os pensadores refletiram sobre a educação – o que já é muita coisa. Um educador precisa conhecer a si mesmo e ao universo que o rodeia, para que possa criar novas formas de vida e de atuação que não estejam encarceradas nas estruturas vigentes que o oprimem, angustiam ou “perturbam”. Mais que isso, precisa conhecer o outro, ou melhor, os outros com os quais convive e compartilha o mundo, construindo saberes, constituindo a si mesmo e a suas formas de vida.

Referências Bibliográficas:

AIUB, M. Como ler a Filosofia Clínica: Prática da autonomia do pensamento. São Paulo: Paulus, 2010.
_____. Filosofia Clínica e Educação: A atuação do filósofo no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: WAK, 2005.
BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.
DAWKINS, R. O gene egoísta. São Paulo: Cia das Letras, 2007.
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
_____.O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
____. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Mais informações sobre filosofia clínica no site www.institutointersecao.com