por Renato Miranda
É inegável a importância da concentração em crianças esportivamente ativas. Sem concentração é impraticáveL a realização de qualquer tarefa em alta qualidade.
Em minhas palestras e cursos sobre concentração sempre começo a falar sobre percepção. A percepção (de acordo com vários especialistas) é considerada a porta para a concentração. Se na infância, ou mesmo em outra fase da vida, as pessoas forem auxiliadas em desenvolver suas percepções, estarão preparadas para se concentrarem melhor. Em consequência terão mais chances de obter sucesso na aprendizagem e no treinamento, seja no esporte ou em outras atividades.
Primeiramente e em poucas palavras é bom diferenciar sensação de percepção. Sensação é o registro de estímulos físicos por meio dos órgãos sensoriais. São estes, por exemplo, que detectam a luz (visão) e o som (audição), registrando-os nos neurônios e enviando-os para os centros nervosos.
A percepção é a organização e interpretação dessas sensações através dos recursos mentais. Desse modo, fica claro que a sensação, embora não seja sinônimo de percepção, faz parte da mesma, como o primeiro ato de interpretação de alguma experiência. Portanto, a percepção é dependente, mas diferente dos sentidos.
Basicamente, o primeiro passo para uma boa percepção é manter nossos órgãos sensoriais em ótimo estado, para que não haja uma “falha” perceptiva. Se uma criança, por exemplo, não está enxergando bem, é notório que em um aprendizado esportivo ela interpretará (percepção) as atividades de modo equivocado. Várias situações (táticas) e gestos (técnicas) ao serem experimentados por ela, portanto, terá como consequência uma aprendizagem deficitária.
Ademais, o sentimento é parte da percepção, isto é, a avaliação emocional das sensações recebidas. Quando o atleta jovem ouve uma orientação em que ele entende o significado das palavras e ao mesmo tempo sente conforto e segurança naquele que as transmite, causando emoção harmonizada, há uma grande possibilidade de se ter uma ótima percepção da orientação dada.
Por outro lado, quando a emoção é exacerbada, dificulta-se a percepção. Em conseqüência, prejudica-se a concentração e, naturalmente, inviabiliza a precisão.
Percepção no futebol
Ressalta-se que as vivências (experiências) ajudam na capacidade de perceber melhor um novo estímulo ou desafio, pois a percepção também está ligada à memória, à cognição e ao comportamento, como podemos observar no exemplo abaixo:
Um atleta de futebol ao receber a bola no meio de campo em uma situação semelhante, a uma outra treinada por várias vezes, poderá agir de forma concentrada da seguinte maneira:
– observa (visão/sensação) a “cena” (jogadores adversários, companheiros e a bola rapidamente).
– seleciona o que é relevante, entre vários estímulos disponíveis.
– compara e avalia a “cena” atual com aquilo que é semelhante e está arquivado em sua memória.
– pensa (cognição) exatamente qual a melhor tomada de decisão para o que tem que ser feito.
– fica equilibrado emocionalmente para não prejudicar a precisão da tarefa.
Outro exemplo, fora do esporte, que ajuda a entender como as experiências marcam consideravelmente a importância da percepção, é quando ouvimos uma pessoa falar um idioma que nós não entendemos nada. Nesse caso só há registro do estímulo físico (audição). Não há interpretação das palavras.
Por vezes no esporte infantil, técnicos orientam as crianças para fazerem algo. Elas então fazem “tudo errado”. Muitas vezes é por que não perceberam o que foi dito. Pelo simples fato de não compreenderem as palavras utilizadas ou por não terem escutado direito. Ou seja, quando não há uma boa percepção, a análise e síntese daquilo que tem de ser feito ficam prejudicadas e isso erroneamente é interpretado pelos técnicos como falta de concentração.
Em resumo, analisar e sintetizar são mecanismos da percepção, mas a responsabilidade pelo desenvolvimento desses processos está a cargo dos órgãos sensoriais. Em outras palavras, a sensação é a essência da percepção.