Percepção sobre passagem do tempo muda conforme a idade

O tempo passa muito lento no início da vida, muito rápido no meio da vida e volta a passar muito lento no final da vida.

Que é possível se afirmar sobre a natureza do tempo? O tempo é uma noção cotidiana que integra a descrição física da realidade por uma única razão: tudo muda em etapas que se sucedem. O tempo é uma realidade fictícia, não imanente ao universo, de natureza mental, mas epistemologicamente necessária.

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O tempo, como produção mental, tem a ação pragmática de ordenar em sequências as observações, como antes, durante e depois.

Percepção da passagem do tempo é sensorial

O tempo pode ser entendido como uma experiência sensorial. As experiências sensoriais são totalmente virtuais, individuais, mediadas pelos sentidos e pelos mecanismos perceptuais do sistema nervoso. 

No início da humanidade, a percepção do curso do tempo era ligada às mudanças que aconteciam no ambiente, nos animais, nas pessoas… Na antiguidade, o dia já era dividido em 24 horas, cada hora em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos. A contagem do tempo estava relacionada ao movimento de rotação da Terra e os primeiros relógios usavam a sombra de uma haste provocada pelo sol.

O tempo físico e o tempo vivido

A noção de tempo é um dos aspectos necessários para a construção do real. O tempo enquanto noção cognitiva, estruturante do real e organizadora das experiências do indivíduo, tem dois tipos de apreensão: o tempo físico e o tempo vivido.

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O tempo físico está relacionado aos esquemas temporais construídos pelo indivíduo para sua adaptação ao mundo, para a compreensão das relações entre os objetos do mundo físico, em termos de ordem, simultaneidade, sincronização etc. O tempo vivido está relacionado à sensação da passagem do tempo. O tempo vivido é uma coordenação interna dos diferentes eventos e situações.

Como uma experiência, sensorial, mental, a noção do tempo vai sendo adquirida ao longo do desenvolvimento e o aprendizado das noções temporais está ligado à ação.

O tempo na primeira e na segunda infância

Na primeira infância,as crianças têm pouca consciência do tempo. A noção de tempo é relativista e marcada por características próprias dos interesses da criança.  Nos primeiros 4 meses, o tempo se dará por momentos: hora de mamar, de dormir, de tomar banho, as quais situam o bebê no espaço cotidiano e permitem a sequência temporal antes e depois. Surgem vestígios perceptivos, que mais tarde levarão à consciência da sucessão dos fenômenos e à noção de causalidade. Aos 2 anossurgem os primeiros sinais de compreensão da passagem do tempo, pela diferenciação do dia e da noite. Aos 4 anoscomeça a existir a percepção de passado e futuro, em termos do que já aconteceu e do que irá acontecer.

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Na segunda infância, aos 6 anos passado e futuro são compreendidos. Depois a criança vai adquirindo cada vez mais flexibilidade de pensamento, desenvolvendo a noção de reversibilidade e descentralização. As operações de tempo, sucessão e duração se integram. Surge a configuração do tempo constituída por fatores lógicos.

O tempo na pré-adolescência e adolescência

Os pré-adolescentes e os adolescentes, diferentemente das crianças, têm o pensamento não necessariamente ligado a eventos concretos. A aquisição do pensamento abstrato e a possibilidade do pensamento simbólico, permitem a manipulação dos pensamentos de modo a permitir que esses criem possibilidades e sejam projetados em cenários futuros. Com o recurso da memória, os elementos do passado, presente e futuro são criativamente integrados.

O tempo na vida adulta

Na vida adulta, surge a integração dos aspectos subjetivos, emocionais e simbólicos do indivíduo aos componentes objetivos, lógicos e analíticos do pensamento concreto anterior. O pensamento do adulto se caracteriza pelo relativismo lógico e pela progressiva referência ao Eu. A mudança da lógica dos sistemas formais para a lógica dos sistemas autorreflexivos conduz à elaboração da autonomia e à experiência cada vez mais subjetiva do tempo.

O tempo durante o envelhecimento   

O envelhecimento não é a mera passagem do tempo; é a manifestação de eventos biológicos que ocorrem ao longo de um período. Os eventos biológicos que se seguem ao nascimento acontecem em momentos diferentes e em ritmos diferentes para cada pessoa. Os idosos vivenciam as dimensões do tempo de modos peculiares, e essas vivências repercutem na forma como se posicionam em relação à vida. Isto faz com que os idosos sejam muito diferentes uns dos outros.

Há pessoas mais velhas que priorizam atividades que sejam significativas para elas. E, quando a atividade é significativa, não se importam se lhes toma todo o dia. Há idosos que se atualizam em relação aos objetivos que viabilizem seu desenvolvimento no tempo de vida que lhes resta e olham para o futuro, para além do tempo de sua própria vida. Fazem planejamentos como se tivessem todo o tempo do mundo, mas vivem o dia atual como se fosse o último.

Mas, há idosos, assim como há pessoas jovens, que morrem no tempo da vida, antes do tempo da morte. A diferença reside na atribuição de sentidos à vida como uma totalidade e na capacidade de resiliência.

O futuro é finitude, mas para muitas pessoas, ao mesmo tempo, é abertura para a infinitos projetos. Mas, o adulto de hoje tem o pensamento focado na atualidade, parece ter perdido a dimensão da duração e tem medo da morte. Falta-lhe tempo para conciliar eficiência no trabalho, na família e na vida social… pouco ou nada de  tempo para si mesmo. De repente, percebe que o tempo passou.

Mario Quintana, o poeta,mencionou muitas vezes o enigma do tempo que, em última instância, é o enigma da morte.

 “O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede:  Conheço um que já devorou três gerações da minha família”. A noção do tempo é individual e abstrata, o tempo é como eu interpreto o passado, projetando no futuro, para viver o presente.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.