por Regina Wielenska
Na semana passada ouvi um pai comentar que se preocupava com a filha de 24 anos. Segundo ele, seu temor era que ela viesse a sofrer muito caso ela não conseguisse realizar o sonho de se tornar muito rica.
Família de classe média, que vive no fio da navalha, de gente honesta, trabalhadora, cheia de altos e baixos nas finanças, parece que o pai trabalha por conta própria, e vive de comissões incertas. Muito interessante a preocupação, e pretendo analisar dois aspectos do que escutei.
Precisamos mesmo poupar nossos filhos da frustração?
Na minha perspectiva, por que a frustração teria que ser vista como um problema, motivo de temor e um evento a ser evitado, se possível fosse? Decepções, resultados funestos, perdas, tudo isso é parte da condição humana.
Precisamos aprender a lutar por nossos sonhos, com empenho e perseverança, mas também nos caberia aceitar os resultados, nem sempre a nosso favor. Quem não se dedica raramente colhe bons frutos. No entanto, recompensas à altura de nossos desejos e necessidades não estão reservadas a todos que se esforçaram. Nem sempre a vida é justa. Aí reside o pulo do gato do jogo: quem cair precisa aprender a se levantar. Após refletir sobre o ocorrido e avaliar direito o processo todo, o jeito é sacudir a poeira, tentar outra coisa, ou a mesma, mas por outras vias.
Então, ao contrário do que pensa o pai, o problema real da filha talvez não seja a decepção, mas sim o provável despreparo para absorver o impacto dos problemas e fazer a virada da própria mesa. Duas possibilidades me ocorrem: o pai acredita que a filha é incapaz de realizar o sonho da fortuna e/ou supõe que o sonho seja excessivo, ousado demais.
Em qualquer dos casos, o pai teria importância fundamental para preparar sua prole para, no futuro, construir metas realistas, fazer planos claros e colocá-los em ação, além de lidar com perdas e insucessos. Resumindo: por que temer as decepções, frustrações e congêneres se algumas delas são inevitáveis e podemos aprender a lidar com elas, navegando conforme as circunstâncias se delineiam à nossa frente? Será que o pai se acha um fraco ou sente vergonha por não ter tido a chance ou capacidade de enriquecer, o que deixou sua filha privada da recursos abundantes livremente desperdiçáveis?
Valores: uma pedra no sapato ou a pedra filosofal do significado da vida?
Outra coisa que me intrigou refere-se mais ao campo da subjetividade, da ética e dos valores pessoais: o pai não pareceu se inquietar pelo fato da filha ter o dinheiro como um valor proeminente na vida. Ficar rica seria, para ela, a solução universal e, por acaso, eliminaria o risco de privações e sofrimentos? Não fiz voto de pobreza, aprecio uma conta bancária recheada, ao menos o suficiente para dispor de conforto sem ostentações. Ter dinheiro nos ajuda muito, mas quanto? Dinheiro talvez compre:
• leito na UTI de um bom hospital, mas nem sempre impede doenças e morte;
• vaga numa instituição de ensino superior, mas não assegura o ingresso nas melhores universidades e muito menos nos faz aprender por osmose;
• bens materiais de luxo, sem garantir elegância, delicadeza e honradez;
• ótimos ingressos para espetáculos, mas não a capacidade de compreendê-los em seu valor artístico e sóciocultural;
• sexo casual, namorados e maridos, mas o amor, sinceridade e o companheirismo talvez fiquem fora do pacote.
Viver em paz
Acho que me fiz entender: de que vale colocar a riqueza material como o primeiro valor numa lista pessoal? E mais: quais outros valores, anseios e metas habitariam o coração daquela filha? Teriam pai e filha conversado a esse respeito ao longo de mais de duas décadas de vida em comum?
Uma das coisas mais relevantes que a educação no seio da família pode ensinar a um filho é a se guiar por valores maiores, tão difíceis de definir em poucas ou muitas palavras. Mas creio que dignidade, ética, amor, honestidade, solidariedade sejam alguns desses tesouros. Ter dinheiro e não se guiar por esses valores parece destinar a moça a uma infinita pobreza, da qual prosperidade material alguma será capaz de resgatá-la.
Ser uma “pobre menina rica” deveria ser o pesadelo de todo pai. O compositor Carlos Lyra nos brindou com palavras tão ajustadas ao artigo de hoje, que não resisto a findar a coluna com a transcrição de seu poema musicado
"Eu acho que quem me vê, crê que eu sou feliz,
feliz só porque tenho tudo quanto existe pra não ser infeliz.
Pobre menina, tão rica…
Que triste você fica se vê um passarinho em liberdade,
indo e vindo à vontade, na tarde.
Você tem mais do que eu, passarinho,
do que a menina que é tão rica e nada tem de seu"