por Lilian Graziano
Às 11h30 da noite, depois de todas as luzes apagadas, todos na cama: o vizinho bate à porta. Em tom belicoso, diz que o gato daquela casa fez cocô em seu jardim.
Não contente com a atitude compreensiva do morador, que já pensava em providências, ele diz que tem fotos do gato. E manda que, no sereno, o morador vá limpar seu jardim. Esse não concorda com a agressividade do vizinho, mas não diz: conta até 10, sabe que está errado – naquele condomínio os gatos não podem passear pelas casas. E vai limpar o jardim, mesmo achando grosseira a abordagem.
Não pensou o vizinho que isso seria desnecessário: bastava que informasse o problema (e não às 11 da noite) e tudo poderia ser resolvido para que não acontecesse mais. E ainda restavam as medidas civilizadas: informar o condomínio para que as multas fossem aplicadas, sem desgastes entre vizinhos.
Mas o morador limpa tudo e se desculpa, várias vezes. Tanto que o vizinho fica sem graça. Afinal de contas, ele estava armado: calcanhares duros, atitude pensada para acordar todos naquela casa, voz empostada… ah, e tinha as fotos do gato, seja lá o que fosse fazer com isso. Tudo levava a crer que ele queria só briga.
Quantas não são as situações assim, em que nos munimos e nos preparamos para verdadeiras guerras, quando os motivos são tão bobos quanto um cocô no jardim? Trata-se de um estresse que muitas vezes nada acrescenta ao outro, nem a si. Às vezes porque o outro nem liga, não vê importância no que se reivindica.
Também não são as atitudes impositivas, violentas que mudarão o comportamento ou o modo de pensar do indivíduo a quem se dirige toda a munição. É fato que a agressividade dissolve a validade de qualquer argumento.
Para evitar o comportamento bélico no cotidiano, é preciso economizar no armamento e esbanjar compreensão. Uma discussão pautada no entendimento mútuo das posições é, em qualquer caso, o melhor caminho. Oponentes só existem de fato no xadrez, nos jogos desportivos – e, mesmo assim, com honras de cavalheiros, regras para os embates; nem mesmo a política ou a religião revelam opositores: o que se busca, muitas vezes, são ideais comuns, como a sobrevivência e Deus.
Não à toa, a generosidade é uma das forças pessoais descritas pela Psicologia Positiva (veja aqui), assim como o amor. E o perdão é um dos exercícios que se faz em busca de emoções mais positivas. Por que não aplicá-los nas pequenas coisas do dia a dia?
Na situação entre o morador e o vizinho, tudo parece ter sido exercitado, ainda que em descompasso: o primeiro foi gentil, quando podia ter sido extremamente grosseiro – generoso à medida que compreendeu a chateação do vizinho diante da regra infringida. O segundo, perdoou – ao ver o morador consternado, relevou, desarmou-se. E por que não se evitou, então, o estresse da primeira impressão, do chamado tarde da noite e da coerção para limpar o jardim?
Precisamos nos preparar para a convivência pacífica e entender que primeiro vem os argumentos, a compreensão e os instrumentos civilizatórios, como as leis e o voto para resolver os impasses. E depois vem todo o resto, sempre como atitude desesperada para defender uma posição ou um ponto de vista. E usando a máxima do profeta José Datrino (ou profeta Gentileza ou José Agradecido), um talvez sábio andarilho que passou pelo Rio de Janeiro e por outras cidades brasileiras, a filosofar sobre o comportamento humano: GENTILEZA GERA GENTILEZA. E assim caminhará a humanidade, rumo a atitudes mais generosas, nas pequenas coisas e, como consequência, nos grandes feitos, rumo à paz mundial.