por Roberto Goldkorn
Estou lendo um livro magnífico: O Livro do Perdão do arcebispo anglicano e Nobel da Paz Desmond Tutu (Editora Valentina, Rio). Como é óbvio, ele nos fala do poder inquestionável do perdão e da complexidade que envolve esse conceito redentor.
Aprendi por exemplo que já existe pesquisa científica mostrando como o perdão pode ser curador, pode prolongar a vida e proporcionar mais saúde e qualidade de vida.
Como sabemos, a África do Sul foi talvez o único país do mundo a adotar o perdão como política nacional de reconciliação, após o fim do apartheid. Então Tutu, (como negro, que sofreu e viu sofrer milhões de seus irmãos de etnia sob o jugo da odiosa política de segregação), foi um dos grandes mentores dessa política – ele devia saber o que estava dizendo (e fazendo).
Ele coloca o perdão como o ato mais elevado que um ser humano pode realizar, libertador, regenerador e uma das poucas ações que podemos fazer efetivamente em favor da verdadeira paz.
Mas perdoar não é para todos. Não se pode esperar que uma pessoa ou um grupo que foi profundamente ferido, que tenha sofrido direta ou indiretamente os efeitos de atos cruéis, covardes, que perdeu o que de mais precioso e amado tinha através desses atos, simplesmente se eleve acima de tudo e … perdoe.
O próprio autor do livro reconhece que não se trata de algo fácil, por isso ele coloca o perdão como processo embutido no que chama de quádruplo caminho. Mas a maioria das pessoas que poderia se beneficiar muito do processo do perdão, não pode contar com o todo esse aparato ou com um espírito tão elevado quando está destruído por um ato vil, ou não tem ainda um nível de consciência mais elevado.
Acredito que exista algo que seja mais humano, mais possível, principalmente para quem foi rebaixado por algum ato torpe e covarde a uma condição menos que humana. Estou falando da vingança.
Não se trata é óbvio da vingança comum, do "olho por olho", da vingança ordinária alimentada pelo ódio, pela cultura do dar o troco. Essa é a maior armadilha de todas. Nossos inimigos, sejam eles conhecidos ou não, desejam no fundo que seus atos (a não ser àqueles sem intenção, como acidentes de trânsito por exemplo) tenham a máxima duração dolosa em nossos corações e mentes.
Quando nos vingamos, mesmo que isso nos dê um alívio momentâneo, mesmo que a vingança nos deixe mais serenos, porque de alguma forma restabelecemos a "justiça", isso é pura ilusão. Do ponto de vista espiritual, ao nos vingarmos, ou simplesmente pensarmos no inimigo agressor com ódio ou rancor, estamos nos acorrentando a eles, e reforçando os nossos vínculos que serão projetados para uma nova existência, e assim por diante, perpetuando a cadeia de sofrimento de maneira odiosa: isso é o inferno!
Vingança inteligente
Mas essa energia da vingança é tão antiga e universal quanto o mal. Por isso podemos utilizá-la para a nossa alquimia, para criarmos uma ponte móvel até chegarmos às alturas do Perdão. A isso eu chamo de Vingança Inteligente.
A Vingança Inteligente, mobiliza suas forças de ódio, de raiva, não pede que você seja um Cristo que dê placidamente a outra face para nova bofetada, ao contrário, ela usa o que você tem de mais humano: a sua revolta, o sangue nos olhos, a faca nos dentes. Aí entra a inteligência: você vai usar essa energia para romper os laços com o agressor/inimigo. Você vai usar os punhos cerrados para seguir em frente, "levantar, sacudir a poeira, e dar a volta por cima". Sabendo que os nossos inimigos são capazes de nos perdoar tudo, menos a nossa indiferença, tudo menos o nosso triunfo. Então vamos triunfar. Essa é a Vingança Inteligente, fazer do limão uma limonada, reunir o que nos restou de forças e seguir em frente sem olhar para trás.
Como conseguir um perdão verdadeiro se ainda estamos no chão, feridos, atônitos, sem saber direito o porquê de termos sido atropelados. Não, precisamos antes nos erguer, nos juntarmos, voltarmos a ser gente, voltar a ter uma vida, um objetivo, voltar a sonhar.
Sabemos agora que qualquer vacilada, qualquer recaída e desejos de retaliação, ou mesmo de que "ele morra", "que sofra bem lentamente" ou algo assim, nos reconecta ao agressor inimigo. Nada disso, não vamos lhe dar esse gostinho. Temos uma missão, temos que prosseguir, temos um sucesso a conquistar, temos de novo uma Vida.
Se quiser use a letra da música do Lulu Santos como mantra: "Não pense que eu te quero mal, apenas não te quero mais, nunca mais".
Desejar o mal do agressor é humano, mas nada inteligente, nos liga a ele ou ela, nos vincula a quem desejaríamos nunca ter nascido. Assim nada de desejos peçonhentos (não que não mereçam) isso é perda preciosa de tempo, energia e, pior, é vinculação!
Agora precisamos de cada alento, de cada unidade de força para nos colocar novamente a caminho. Lembre-se, mais que nunca ter sucesso, triunfar é fundamental; afinal, é o enredo principal de nossa Vingança Inteligente.
Mas, perguntaria você cheio de intenções zen, o que é o sucesso?
O sucesso é o Amor. O sucesso é ter saúde, é viver bem e melhor. O sucesso é celebrar com os amigos, é sentir-se VIVO e assim poder contribuir para melhorar o mundo. O Sucesso, assim com S maiúsculo, assim como a Vingança é o oposto da avareza pérfida, desses obesos desejos egocêntricos que só podem fazer o mal, semear a dor. O Sucesso é agir de forma generosa, é dizer: "Mundo aqui me tens de regresso, em que posso ajudar?"
Se nesse caminho de Vingança Redentora você conseguir forças para ficar novamente de pé, para voltar a sorrir, talvez possa perdoar, dar o golpe de misericórdia em quaisquer laços que porventura ainda sobrevivam. Porque sabemos que muitas vezes, os agressores mesmo que esqueçamos deles, que os deixemos para trás, ainda não nos perdoam por termos permitido que nos ferissem. Às vezes eles ou elas pensam em suas vítimas com ódio. Por isso precisamos do perdão. O Perdão verdadeiro nos liberta inclusive disso. Quando depois de tudo perdoamos, eles perdem o nosso rastro, não sentirão mais o cheiro de nosso medo ou de nosso ódio.
Por isso não nos encontrarão em outra vida, nunca mais. O perdão verdadeiro, independente de ser feito diante do agressor/inimigo ou não, é um ritual secreto, o mais íntimo e genuíno que um ser humano jamais será capaz de realizar.
Como diz Desmond Tutu, isso não implica em esquecer, muito menos em absolver; ainda resta a Justiça para acertar as contas pelo lado da sociedade.
O perdão quando é pedido, é rehumanizante, quando é dado é divinizante.
Acho que essa é uma boa dupla: Perdão & Vingança, que pode fazer muito sucesso nas paradas musicais da nossa vida.