por Antônio Carlos Amador
Uma coisa é certa: a maioria dos seres humanos foi concebida num momento de profunda satisfação. Podemos mesmo considerar que somos nascidos do e para o divertimento. Quando crianças, à medida que íamos crescendo, podíamos tirar proveito de tudo que estava à mão, fosse uma latinha de sardinha vazia, fosse uns palitinhos e uns botões.
As crianças possuem imaginação suficiente para transformar uma latinha num carrinho, os palitos nos eixos com os botões como rodas. Enquanto simulam, elas deixam sair o que está dentro de si, alheias ao que os outros possam pensar ou sentir a respeito da suposta tolice de tal comportamento. Elas ainda estão intactas, confiando em seus próprios recursos interiores. Podem fazer as coisas mais diversas e absurdas num impulso súbito, não sentindo a menor compulsão de continuar a atividade além do momento em que ela cessa de lhes proporcionar prazer. Estão sempre prontas para uma nova aventura.
Quando nos tornamos adultos e abandonamos a infância aprendemos que o trabalho deve ser mais importante que a diversão, que qualquer coisa que mereça ser feita deve ser "bem feita". E, ao invés de sentirmos e desfrutarmos nosso divertimento, nos concentramos em aperfeiçoá-lo, contribuindo para aumentar nosso estresse. Tudo que fazemos na vida parece ter um propósito, seja na escola, em casa ou no trabalho. Chegamos ao ponto de pensar que necessitamos de um propósito para a diversão. Até as férias têm de ser planejadas para serem um sucesso. Quantas vezes não colocamos tantas expectativas, a ponto de viajarmos milhares de quilômetros e voltarmos insatisfeitos!
Nosso amadurecimento é uma tarefa árdua. Envelhecer em boa saúde, com dignidade e um sentimento de valor pessoal e social é ainda mais difícil. Para muitos parece impossível. Vivemos numa época de mudanças muito rápidas. Então, se formos capazes de pensar como mudamos ao longo do tempo, poderemos apreciar e desenvolver nossa capacidade de mudança.
Entre os 40 e os 50 anos começamos a nos dar conta de que já vivemos aproximadamente metade de nossa vida e de que podemos olhar igualmente para trás e para frente, questionando se estivemos construindo coisas realmente valiosas. Também tomamos consciência de que uma geração mais nova avança na vida e em breve ocupará nossos lugares. A partir de então, com o passar dos anos, enfrentamos o progressivo envelhecimento físico, quando nossas energias começam a declinar. Não podemos deixar de reconhecer no horizonte a inevitabilidade da morte.
Tal reconhecimento pode nos ajudar a reavaliar e valorizar a vida, estabelecendo um contato cada vez maior com nossos limites, para então aprimorá-los e transcendê-los. Com o envelhecimento podemos deixar de lado aquelas características infantis que havíamos mantido: o mau humor, a dependência e a irritabilidade. Mas não precisamos abandonar as características positivas, também típicas da infância, como a espontaneidade, a vontade de saber tudo e a curiosidade insaciável.
Podemos nos permitir o resgate daquela habilidade que tínhamos na infância de desfrutar o presente, apreciar a diversão como um fim em si mesmo, sem um propósito específico, curtindo uma caminhada, contemplando o pôr-do-sol, ou sonhando de olhos abertos. Porque enquanto vivermos, podemos nos divertir. E a maneira pela qual nos permitimos continuar a exercer essas atividades lúdicas é que determina o espírito com que envelhecemos.