por Roberto Goldkorn
Recebi uma mensagem de alguém que dizia ter sido condenada à infelicidade eterna, à solidão perpétua e ao purgatório dos amores frustrados. Não precisei passar da quinta linha do total das setenta e tantas linhas escritas com desventuras para sacar que o bicho-papão era depressão.
Sei que já falei desse tema aqui pelo menos umas duas vezes, mas percebo que a coisa está se tornando epidêmica.
Parentes, amigos, clientes, artistas, mais ou menos famosos, são a amostra que essa doença está muito disseminada (quando algo chega à nossa porta, sabemos que percorreu um longo caminho e já ocupa um protagonismo) embora paradoxalmente ainda seja tabu. Por que não se ouve falar de campanhas nacionais de atenção à depressão? Por que grandes laboratórios não investem seus bilhões numa droga que combata essa doença?
A depressão embora seja sim, uma doença da química do cérebro, tem um componente espiritual. Esse é o tabu. Como investir em algo que foge ao império da razão, que não pode ser completamente mapeado e pesado pelos instrumentos da alta biotecnologia?
Podemos apontar o dedo para as substâncias químicas que estão associadas à alegria e à felicidade, podemos dizer que existe o traço de hereditariedade, e que a falta de amor também gera depressão em quem tem grandes expectativas afetivas. Todas essas explicações estão certas, e algumas drogas, tanto da alopatia quanto da homeopatia, já estão aí contribuindo de alguma forma para combater o inimigo.
Mas de onde vem esse fator espiritual da depressão?
Como podemos dimensioná-lo, para combatê-lo?
Como saber onde começa a influência dos fatores espirituais e onde isso deflagra a química perversa?
Ou será o contrário, a química perversa é que nos coloca em sintonia com as nuvens negras espirituais?
Essa é a grande dificuldade que torna a depressão – como bactérias e vírus inteligentes – que estão sempre mudando e se adaptando para sobreviver aos ataques.
A depressão é uma "entidade virótica". Ela é de tal modo adaptada que surge de qualquer vetor, seja de origem espiritual, e atua no físico/emocional/social; seja do social e ataca o psíquico e o espiritual. Enfim, é uma praga altamente ardilosa cujo único objetivo é se manter viva.
Alguns estudiosos multidisciplinares estão aventando a hipótese de que o fanatismo religioso ou político seja uma derivação perniciosa da depressão, uma forma dessa energia envenenada se manifestar sem matar o hospedeiro imediatamente. Assim, ao se esconder atrás das máscaras do fanatismo destrutivo, ela é insidiosa, pode se preservar e até se revestir de uma roupagem dadivosa. Afinal, quem pode dizer que um kamikaze ou um homem-bomba que se explode são doentes? Pelo menos para os seus pares são heróis.
Lado espiritual da depressão
O lado espiritual da depressão está associado principalmente às memórias terríveis trazidas da vida passada, e que tornam o viver insuportável. Imaginem, um oficial nazista que serviu em campos de concentração, e administrou a morte, a humilhação e a destruição rápida ou lenta de milhares de pessoas, mulheres, crianças, idosos, indefesos, aterrorizados. Imaginem como seu dna deve ter ficado impregnado dos gritos terríveis, dos lamentos intermináveis, do terror nos olhos das crianças… Claro que da mesma forma que um ferimento ou golpe não é sentido na hora da luta, por causa da adrenalina, a ideologia gera um transe que amortece esses impactos no momento em que são gerados. Mas existe o depois. Todo o sofrimento vai estar ali gravado, e o criminoso (com as exceções é claro), terá muito tempo para baixar a adrenalina e voltar ao estado humano (mais ou menos) normal. Aí os gritos, os olhares de medo e pavor, o choro, os lamentos registrados irão voltar, agora sem a anestesia do transe ideológico.
Algumas almas empedernidas não se arrependem e fazem de tudo para voltar… e terminar o serviço. Mas a maioria se arrepende, só que não há como retroceder, não há como voltar a fita, eles têm de nascer de novo, carregando no baú de seu inconsciente essas memórias que serão em sua maioria apagadas para que possam nascer. Apagar as memórias é uma necessidade, mas não se pode apagar as emoções que daí surgem. Para isso existe a Psicanálise, para dar sentido às emoções sem memória, ainda que isso em casos extremos seja nitroglicerina pura.
Claro que o fator espiritual na depressão não se resume a nazistas ou homens-bombas, nem a inquisidores que mandaram meus ancestrais para a fogueira. O grosso deles é feito de "pecadores" e "pecadoras" mais humildes. Gente que cometeu delitos de consciência e que foi perseguida por sua própria consciência antes de ser perseguida pela polícia ou pela sociedade.
Nada mais acusatório do que a própria consciência, a culpa, o remorso, a covardia… e quando não podemos rastrear de onde vem essa culpa? E quando não temos a mínima ideia do que formou esse remorso, essa incômoda sensação de ser criminoso de um crime que não temos lembrança? A depressão é a resposta.
Nem todo culpado é de fato culpado de algo objetivo. Não importa. Se você acha que se vestir com saia e blusa é pecado e que a melhor vestimenta é a burca, e se por alguma razão tiver de sair de minissaia e blusinha decotada, isso poderá gerar culpa, a percepção de ser uma pecadora sem perdão.
Uma mulher vítima de estupro coletivo, mas cuja religião diz que ela é a verdadeira culpada por isso, pode mais tarde, numa outra vida, cair em depressão e até buscar acabar com a sua própria vida, pelo peso insustentável dessa culpa e da memória da dor, terror, humilhação e rebaixamento de seu grau de humanidade – tudo isso sem ter qualquer consciência dos fatos originais.
Assim, a mente vai acumulando pecados e crimes, reais ou criados pelo próprio sistema de crenças e valores – e muitas vezes absolvidos por eles até que eles sejam contestados.
Uma pessoa depressiva, que aponte como causa de sua depressão a falta de amor ou a incapacidade de sobreviver sem os subsídios familiares ou governamentais, pode estar se enganando (e protegendo a depressão).
Depressão não é tristeza, nada tem a ver com a goleada que seu time sofreu no fim de semana.
A depressão pode ser a emergência de conteúdo emocional culposo, sem fonte conhecida.
Abordar a depressão como um motivo espiritual, rastrear as origens (e ver se algo ainda subsiste residualmente) e tomar a medicação é, por enquanto, tudo que nos resta para combater essa moléstia da infelicidade.
Ser feliz não é uma obrigação, nem uma missão (como eu um dia acreditei que fosse). Ser feliz, porém, é uma alternativa bem melhor para quem quer continuar caminhando pelas estradas da vida.