por Danilo Baltieri
"Mais de mil pessoas, entre elas o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, participaram neste 09 de maio da chamada Marcha da Maconha, manifestação que aconteceu em Ipanema, Rio de Janeiro, e em outras 250 cidades do mundo para pedir a legalização do uso da planta."
Resposta: “Descriminalizar” o uso de maconha é assunto que continua aquecendo matérias de jornais e revistas do mundo inteiro. Ora como manifestação social, ora como manifestação política, o debate continuará por bastante tempo.
O argumento básico utilizado para a legalização, é a falha da política americana da “guerra contra as drogas”, a qual parece ter colaborado para o fomento de problemas sociais e legais de imensuráveis custos, tais como corrupção, violência, crime organizado, violação à lei, etc. Além disso, as leis que versam sobre a punição do consumo e tráfico de substâncias não têm provocado a redução da demanda ao redor do mundo.
Após mais de três décadas de“guerra contra as drogas” e intenso otimismo público inicial relacionado à política de repressão ao consumo, atitudes “liberalistas” têm aparecido mais recentemente e estão ganhando grande popularidade na Europa e Estados Unidos da América. No Canadá, por exemplo, em 2003, foi aprovada provisoriamente uma lei permitindo o uso de cannábis para propostas médicas. Uma pesquisa nesse país publicada em 2001, revelou que 47% dos canadenses são a favor da legalização da maconha. Desde 2003, na Bélgica, não é mais ilegal ter a posse de até 5 gramas de maconha, embora a venda e consumo em locais públicos seja ainda proibida.
Formas de legalização e descriminalização
O termo “legalização” é, muitas vezes, utilizado com abrangências diferentes. Para alguns, significa a descriminalização da posse e do consumo de substâncias como a maconha, enquanto a comercialização e a distribuição continuam sendo consideradas ilegais. Para outros, significa uma ampla descriminalização das drogas, imaginando-se a posse, a venda e a distribuição legais, mas sob leis reguladoras e fiscalizadoras sobre o comércio e a distribuição. Para outros ainda, poderia significar uma mais ampla descriminalização, sem qualquer lei reguladora sobre a posse e comércio das drogas.
Consequências da descriminalização
Segundo alguns estudos, a modificação das leis, no sentido da descriminalização da posse e do comércio das substâncias psicoativas consideradas hoje ilícitas (como a maconha), possivelmente conduziria a uma queda nos preços, a um aumento da oferta de várias dessaas substâncias e a um crescente consumo das mesmas. Um exemplo disso é um estudo realizado na Noruega, onde se verifica o aumento do consumo de heroína injetável à medida que o preço dessa substância caiu, entre os anos de 1993 e 2002.
Além disso, existe apoio empírico à chamada teoria do “escalonamento das drogas”, ou seja, o risco relativo de um indivíduo que experimenta maconha em fazer uso de outras drogas como a cocaína, é maior do que entre indivíduos que nunca usaram a maconha. Logo, considerando essa teoria correta, a maconha “abriria” portas para outras substâncias, poderia gerar um padrão de uso recorrente da mesma ou de diferentes substâncias e diminuiria o medo da experimentação de outras drogas.
Na verdade, embora essa teoria seja empiricamente verdadeira para uma ampla gama de usuários, devemos reconhecer que os indivíduos que fazem uso de substâncias psicoativas constituem uma população bastante heterogênea, o que dificulta uma generalização.
Historicamente, quando o consumo de substâncias surgiu como um problema social em 1960, muitas sociedades ocidentais decidiram pela proibição do consumo, posse e comercialização. Algumas das razões para a proibição foram:
Principais argumentos para proibição
a) Consumidores de substâncias psicoativas podem causar danos e sofrimento a outras pessoas;
b) O uso das drogas provoca aumento nos gastos com a saúde pública;
c) Os usuários de drogas são menos produtivos e têm maior chance de morte prematura;
d) Os usuários de substâncias devem ser protegidos contra eles mesmos, à medida que eles atuam de forma autodestrutiva;
e) O consumo das drogas é “contagioso”, ou seja, indivíduos usuários podem “convencer” outros a experimentá-las.
Principais argumentos para legalização
Segundo os defensores da legalização, algumas das consequências abaixo seriam possíveis:
a) Reduzir a população penitenciária;
b) Prevenir muitos crimes relacionados ao consumo de substâncias, tais como roubos, furtos e tráfico;
c) Desorganizar um dos principais pilares do crime organizado;
d) Redirecionar os esforços dos policiais no combate ao crime.
Na verdade, alguns dos proponentes da legalização defendem também uma alta taxação para o comércio lícito das substâncias psicoativas consideradas ilícitas na atualidade, revertendo os recursos financeiros obtidos com a comercialização e distribuição para a educação e programas de tratamento e reabilitação dos usuários. Além disso, muitos defensores da legalização aventam a possibilidade de que, com a regularização do comércio das mais variadas drogas, as mesmas seriam vendidas com informações adequadas sobre os riscos e consequências, formas para evitar o uso, bem como locais onde buscar ajuda e dados sobre a composição da substância, evitando, assim, a presença de misturas de outras substâncias deletérias.
Seguramente, o consumo inadequado de substâncias psicoativas insufla o sistema de saúde pública, o sistema penitenciário e os serviços de promoção social. Entretanto, certamente, legalizar o consumo e a distribuição não soluciona os inúmeros problemas associados. Recursos para prevenção e tratamento dos problemas relacionados ao consumo de maconha, cocaína, heroína, ecstasy, etc, devem ser mais continuamente disponíveis, objetivando promover melhores resultados nas medidas terapêuticas e sociais até então adotadas.
A disponibilidade é a mãe do consumo, ou seja, quanto mais facilmente disponíveis, maior a chance da experimentação de drogas. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, cerca de 60 milhões fumam e mais de 20 milhões têm problemas com o consumo de bebidas alcoólicas, mas cerca de 6 milhões têm problemas com o uso de drogas ilícitas.
Na Suíça, o chamado “parque da agulha”, criado para restringir usuários de heroína, tornou-se uma grotesca atração turística com cerca de 20.000 dependentes, tendo de ser fechado, antes de avançar para toda a cidade de Zurique.
Na Itália, onde a posse de pequenas quantidades de drogas tem sido geralmente isenta de quaisquer sanções penais, apresenta uma das maiores taxas de dependência de heroína da Europa, com mais de 60% dos casos de AIDS relacionados ao uso de drogas intravenosas.
Drogas não são perigosas porque são ilegais; são ilegais porque são perigosas
Segundo Califano (2007), da Universidade de Colúmbia, as drogas não são perigosas porque são ilegais; são ilegais porque são perigosas. Evidências, por exemplo, de que a maconha induz sérios distúrbios psiquiátricos são claras. Quanto às outras substâncias, como cocaína/crack, heroína e ecstasy, notícias de repercussões danosas aos usuários abundam na imprensa.
Um adequado plano de ação do governo, baseado em financiamentos nas áreas de tratamento e prevenção, está de acordo com as mais recentes evidências de eficácia de propostas de ação para o grave problema de saúde pública do consumo de substâncias psicoativas.
O debate sobre a legalização das drogas continuará a aquecer jornais e revistas do mundo inteiro. O maior debate ainda parece ser o que está sendo feito e o que poderá ser realizado no sentido de melhorar as taxas de efetividade dos tratamentos oferecidos atualmente aos dependentes de substâncias psicoativas e quais os melhores métodos de prevenção ao consumo das mesmas.
Portanto, antes mesmo do debate sobre a discussão, os seguintes tópicos ainda carecem de respostas:
a) Quais as melhores formas de tratamento médico e psicológico para os dependentes de substâncias, considerando os diferentes tipos de drogas e a heterogeneidade da população?;
b) Há suficiente e qualificado número de profissionais médicos e não médicos habilitados para o tratamento de pessoas que apresentam problemas com o consumo de substâncias psicoativas?;
c) Há suficiente número de leitos hospitalares e vagas em ambulatórios e Centros de Atenção Psicossocial para o tratamento da demanda existente neste momento ? Quais os recursos disponíveis para aumentar as vagas e aprimorar as formas de abordagem?;
d) Os pesquisadores brasileiros da área têm recebido adequado apoio para a realização de pesquisas nas áreas de prevenção e tratamento das dependências químicas ?;
e) Estamos dedicando esforços na melhoria da qualidade de vida (incluindo qualidade de vida profissional) para a população geral?;
f) Qual o verdadeiro relacionamento entre o consumo de substâncias psicoativas e a criminalidade em um universo com graves problemas sociais?
“Guerra” contra as drogas
O termo “war on drugs” foi primeiramente utilizado por Richard Nixon, em 1971. De acordo com esse presidente americano, os usuários de substâncias psicoativas careciam de ‘bom caráter’ e deveriam ser amplamente responsabilizados pelas mazelas sociais relacionadas ao uso de drogas. No entanto, apesar da intensiva política de repressão ao uso de substâncias, em nenhum momento houve significativa redução do seu consumo.
Em 1977, Jimmy Carter declarou ao Congresso que “a posse de pequenas doses de maconha não deveria ser penalizada”. Apesar de declarações como essa, a política americana desde então tem tomado medidas amplamente polêmicas para deter o avanço do uso e tráfico de substâncias psicoativas, como prisão por porte de droga, realização de “blitz” em regiões consideradas de “risco”, vultosos investimentos financeiros na repressão à produção e ao tráfico, embora proporcionalmente menores recursos tenham sido destinados ao tratamento e prevenção ao uso indevido de drogas.
Reformas legais relacionadas ao consumo de drogas têm sido aventadas ao redor do mundo. Em 1990, no Estado do Arizona, definiu-se que o uso de substâncias deveria ser tratado como um problema de saúde pública, com recursos financeiros mais direcionados ao tratamento e à educação, e não como um problema a ser tratado pelo setor penitenciário.
Na Califórnia, um projeto de lei (Proposition 36) criou um protocolo para direcionar pessoas que têm sido apreendidas com drogas para unidades de tratamento e não para a prisão. Na Rússia, em maio de 2004, deixou-se de incriminar a posse de pequenas quantidades de substâncias psicoativas. Embora no Canadá exista ainda grande discussão sobre a descriminalização da posse de drogas, em 2003 o chefe de polícia de Toronto declarou que havia estritas instruções aos seus oficiais para interromper as prisões por simples posse de maconha. Muitas dessas decisões têm sido tomadas como uma forma de reduzir os gastos com a população penitenciária.
Apesar disso, mais do que 60% do total de recursos empenhados para o tema drogas nos Estados Unidos da América (considerando tanto aspectos educacionais, terapêuticos, preventivos e legais) têm sido direcionados para fins legais.
Lei e maconha no Brasil
No campo legislativo e da política pública relacionada às causas e consequências do consumo abusivo de drogas, a Lei nº 11.343/2006 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e prescreveu medidas para a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, é o marco jurídico de mudança de paradigma e de procedimentos penais ao atender ao pressuposto da Política Nacional sobre Drogas (PNAD) que prevê o reconhecimento das diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada, sem, no entanto, descuidar e negligenciar os mecanismos de repressão ao tráfico.
Esse novo paradigma encontra-se previsto no Art. 28 da referida Lei abaixo transcrita:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – Advertência sobre efeitos das drogas; II – Prestação de serviços à comunidade; III – Medida educativa de comparecimento ao programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
De acordo com a nova Lei, os usuários e dependentes não estarão mais sujeitos à pena privativa de liberdade, mas, sim, às medidas sócioeducativas aplicadas pelos Juizados Especiais Criminais.
Nesse contexto, o pressuposto da ação educativa prevista na lei é de que o Estado, com a participação da Sociedade, não só pode como deve formular e estabelecer políticas ou programas de prestação de serviços à comunidade.
Até a publicação da lei, o usuário e dependente eram vistos, no imaginário da sociedade, como um “risco ou ameaça”. Os procedimentos eram restritos a ações policiais (punição) e ao encaminhamento a hospitais psiquiátricos (doença mental). Ao contrário, no escopo da nova lei, o indivíduo que for processado por posse de droga para uso próprio terá direito à definição de um projeto terapêutico individualizado (ressocialização), orientado para a inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde (art. 22, inc. III).