por Roberto Goldkorn
Fiquei muito gratificado pela maneira como os textos sobre logotipos e simbologia foram recebidos pelo público do Vya Estelar e do UOL. Isso só mostra que estamos ligados cada vez mais na importância desses 'detalhes' ou então que estamos num processo de recuperação da nossa mente 'ancestral'. Nos velhos tempos, as grandes famílias tinham o seu próprio logotipo, representado pelo 'brasão de família', ele procurava exprimir em imagens aquilo que a família identificava como sendo seu objetivo ou missão de vida. Mesmo as pessoas mais simples mantinham uma relação de intimidade com a simbologia que resumia intenções, identificações e objetivos.
Muito antes da palavra os sinais e símbolos eram a linguagem por excelência, e tinham a força “de mil palavras”. Alguns estudiosos acreditam que essa força se deve a um processo 'mágico' que em seu curso foi agregando poder a cada etapa desenvolvida. O exemplo citado é o dos 'respondentes'. Nas civilizações mais primitivas era costume enterrar os mortos ilustres, juntamente com seus criados e pertences para que estes os servissem na outra vida. Reis e rainhas eram enterrados com séqüitos de serviçais e soldados. Esse costumes chegou de uma forma ou de outra até os tempos modernos na Índia, por exemplo, onde a mulher era queimada numa fogueira junto ao corpo do seu marido defunto.
Cheguei a tomar conhecimento de um barão de Minas Gerais que se fez enterrar junto com uns doze escravos, cujos pés foram cortados (para não fugirem) e enterrados de pé (para estarem sempre vigilantes em torno do corpo do seu senhor). Com o tempo esse costume bárbaro foi sendo modificado. Os sacerdotes descobriram que estatuetas podiam reproduzir esses servidores. Se fossem animadas com encantos mágicos teriam os mesmíssimos efeitos na outra vida. Mais alguns séculos, e as estatuetas tão trabalhosas foram substituídas por desenhos e entalhes (hieróglifos e ideogramas) que também poderiam ser animados de energia mágica para serem eficazes no 'além'. A cada redução o produto obtido ficava mais poderoso, pois nele se concentravam mais as características essenciais dos servidores enquanto se desprezavam as ordinárias e redundantes.
Quem já ouviu falar das Runas sabe o que estou dizendo. As Runas representam o estágio final de um processo de redução e concentração dos elementos básicos de uma imagem complexa. Sobraram traços combinados que devem guardar a força de uma imagem primordial muito mais elaborada. Esse é o processo dos óleos essenciais, pelo qual um pequeno frasco encerra o aroma de milhares de flores, e por isso são tão caras em todos os sentidos. Assim os grandes e mais poderosos logos da humanidade são aqueles que chegaram ao final de seu processo e evolução, de depuração (dos excessos) e de concentração de significados. O melhor exemplo disso é a Cruz. Muita gente pensa que a grande virada na carreira da Cruz como expressão de uma crença se deu no episódio de Constantino.
Para quem não se lembra, o imperador romano Constantino saiu em campo para uma batalha decisiva contra o seu maior rival Maxencio. De repente ele 'viu' no céu uma cruz, e as seguintes palavras “In hoc signo vinces” (sob esse sinal vencerás). Ele mandou colocar o sinal da cruz em seus estandartes e derrotou o inimigo, tendo após isso adotado não só a cruz como a própria religião da qual era o símbolo. A cruz foi uma grande sacada dos antigos cristãos. Em primeiro lugar a cruz como símbolo esotérico era bem mais antiga. Representava a união dos princípios masculino e feminino, ou a união entre o céu e a terra (matéria e espírito), além de ser uma representação esquemática dos quatro pontos cardeais.
Os cristãos fizeram uma superposição de um antigo símbolo pagão, usando como mote da cruz do Cristo crucificado, para ao mesmo tempo em que se apropriavam de um rico simbolismo ancestral, lembravam a todos a todo instante o simbolismo do sacrifício do cordeiro de Deus. Outros também tentaram fazer esse up grade da cruz como os nazistas, por exemplo. A suástica usada para representar o nazismo é na verdade uma cruz usada pelos Jains há milênios. A diferença, é que a cruz indiana tem suas 'pernas' voltadas para a direita (destrógena) enquanto que os ideólogos do nazismo torceram a sua para a esquerda (sinestrógena). Enquanto os Jains são extremamente preservacionistas e têm um respeito por toda forma de vida (não matam nem mesmo piolhos); os nazistas tinham o seu projeto de mudança do mundo baseado na destruição do que chamavam de velha ordem, da qual segundo eles os judeus eram os maiores guardiões.
Países adotam logos que buscam reforçar a sua identificação com seus ideais. Quem não conhece a 'Águia' americana (e também romana e nazista), o 'Urso' russo, o 'Leão' inglês? Esses animais logotípicos são antes de tudo arquétipos, que acabam traduzindo a alma de uma nação. Outro logo que marcou a história da humanidade foi a foice e o martelo, símbolos do comunismo. Assim como a cruz sinestrógena dos nazistas, foi uma péssima escolha, a tal escolha míope, do cara que atira no que vê e acerta (também) no que não vê.
Toda vez que adotamos simbolismos universais para representar nosso 'negócio' temos de olhar esse simbolismo por todos os ângulos. Ao adotar a foice, (símbolo do poder do campesinato) os soviéticos pegaram uma carona indigesta, pois a foice também simboliza a colheita da vida ou seja a morte. Já o martelo, expressão óbvia do operário dos tempos industriais, é uma ferramenta tosca, primitiva, e também carregado de significado destrutivos. Para piorar os dois símbolos foram colocados em posição cruzada ou seja de conflito, como se indicasse um antagonismo entre o campo e a cidade. Não podia dar em nada construtivo.
Já a estrela de Davi “logotipo” adotado pelo judaísmo, também tem sua antiguidade anterior a sua adoção. A estrela de seis pontas na verdade são dois triângulos um ascendente (fogo) e outro descendente (água) que se encontram no meio do caminho criando um equilíbrio perfeito. Além dos outros significados esotéricos ocultos, a estrela projeta algo inatingível, por isso transcendente, que está no 'céu' e portanto pertence ao domínio do espírito. Mas não deixa de ter pontas, que também têm uma projeção agressiva, como as pontas de lança, além de representar uma mandala do tipo 'afaste-se de mim'.
Como podemos ver, não existe um logotipo que seja absolutamente positivo. Mas é dever de quem cria uma imagem, seja para uma empresa seja para um time de futebol, ou para simbolizar uma nação, estar atento para os sub significados que com o tempo podem crescer e superar os alvos em que se mirou. O bom logo é aquele que toca o universal e o atemporal, sem perder uma identificação imediata. Mas principalmente devemos levar em conta cada aspecto da sua forma, o que ela evoca, o que evoca em outras culturas, se exprime o nosso objetivo essencial (não só o imediato), e se no balanço final, os prós superam com folga os contras. Renunciar ao rebuscamento, aos modismos e modernismos, as firulas do design, ou a um abstracionismo estéril são as melhores formas de expressar em imagem a alma do seu negócio.