Por Roberto Goldkorn
Quando eu era mais jovem, um dos fantasmas que mais me assustavam era a tal da rotina. Pensava que ao casar, teria de estar sempre inventando quebras nas rotinas. Às vezes ficava cansado e desanimado antecipadamente só de pensar no trabalhão que ia dar, ter de acordar no meio da madrugada e propor a minha mulher irmos caminhar na beira da praia, só para ela ver como eu era criativo e capaz de detonar a rotina do casamento.
Hoje vendo a guerra pela TV, observo o quanto as rotinas são saudáveis, e mais, constato que as rotinas bem aproveitadas são um dos principais fatores de saúde e longevidade. Após cada bombardeio, ouvimos os repórteres comentarem: “o povo se esforça, apesar de tudo para retomar as suas rotinas…”
Cada dia em que sou “obrigado” a descer com o meu cachorro, aproveito para agradecer a Deus, por mais um dia de rotina, mais um dia de normalidade. Já se foi o tempo em que eu alimentava a tola ilusão de que deveria viver uma aventura emocionante a cada dia, isso não existe. Mesmo o Amir Klink deve ficar feliz e reconfortado quando depois de cruzar os vastos mares, retornar a Parati, no mesmo porto, e encontrar a sua mulher, os mesmos amigos, as mesmas edificações/relações que ele reconhece ao longe, que só puderam ser construídos através de rotinas.
Como dizia um historiador, o drama do homem, moderno, é que na Antiguidade, várias gerações desfilavam diante de uma mesmo monumento. Hoje, diante de uma geração vários monumentos são erguidos e destruídos. Por que a síndrome do pânico é quase epidêmica? E a depressão? E as miríades de doenças que nós sabemos serem psicossomáticas? Em grande parte porque as pessoas sentem que perderam os referenciais imutáveis, confiáveis, aquelas construções/relações que lhes davam a garantia de que ao retornar para casa a casa estaria lá, a família também, os vizinhos, o cachorro, o emprego etc.
Nesse mundo em constante terremoto, temos que construir nossas casas e relações sobre terra movediça, e isso gera uma insegurança crônica, que se traduz em neurose, violência, doença, egoísmo. Por isso estabelecer rotinas boas é muito saudável.
Vejamos o exemplo na letra de Chico Buarque de Hollanda, que cantou as luzes e sombras da rotina como ninguém:
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Quando ouvi essa música pela primeira vez, estava solteiro, e sorri, achando que havia encontrado um cúmplice para a minha ojeriza à rotina. Mas, mais tarde o mesmo Chico fez o seguinte: Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. Nessa ocasião eu também já tinha um filho, a quem amava mais que tudo, e aí entendi, que o contrário de rotina pode ser as bombas sobre Bagdá.
Como lidar com as rotinas
Hoje não tenho medo das rotinas ao contrário sou sempre grato a elas por me sorrirem com um sorriso (mais ou menos) pontual. Mas isso só aconteceu por que aprendi a passar pequenas rasteiras nas rotinas, sempre que sinto que elas estão ficando fortes demais e me dominando.
É importante mostrar às rotinas quem manda, é importante quebrar a sua linearidade, em prol da liberdade e da criatividade. Sempre que percebo que um cliente meu está sendo asfixiado pela sensação de rotina escravizante, sugiro uma quebra, um drible por baixo das pernas da rotina.
Um gerente de uma fábrica estava desmotivado e achando que havia empacado, que estava ficando impotente para tomar as rédeas de sua vida nas mãos. Ele me confessou que só de pensar que o ônibus da empresa buzinaria em poucos minutos para chamá-lo ele tinha náuseas. Como eu sabia que ele amava futebol, e era um torcedor fanático, perguntei-lhe. “Quantas vezes você já foi a um treino do seu time. Ele me olhou espantado e disse: “Nunca, imagine se eu posso sair daqui durante a semana, pegar a estrada, para ir ver o timão treinar.”
Claro que pode, respondi. Se você pegar uma gripe forte, a fábrica não vai parar, as engrenagens do mundo vão continuar a girar. “Mas, eu não posso…” Não só pode como deve, afinal você é um homem ou um rato? Ele foi. E voltou com um sorriso colado no rosto. Voltou mais forte, trabalhou melhor, fez amor como nunca com a sua rotineira mulher. O que aconteceu afinal? Primeiro ele se deu conta de que a rotina não prende ninguém, as grades dessa cela são imaginárias (nem por isso menos poderosas), e que bastaria um ato de vontade para rompê-las.
Era essa vontade que estava fraca e lhe dava a sensação de impotência diante de mecanismos invencíveis. Segundo que ele pôde, depois dessa pequena travessura, voltar e encontrar tudo da mesma forma que deixou, e isso graças a rotina que lhe permitiu construir estruturas fortes o bastante para agüentar quebras ocasionais.
Há muitos anos eu era sócio de um clube no Rio de Janeiro. Um dia apareceu por lá um porteiro novo, na verdade era velho, deveria ter um setenta e cinco anos. Fiz amizade com ele e descobri que ele tinha apenas sessenta, era poliglota, morava sozinho num quartinho dos fundos. Ele aos poucos foi me contando a sua vida de aventuras. Chegou até a servir na Legião Estrangeira, lutou na Guerra Civil Espanhola, teve romances com atrizes famosas.
Ele me dizia: “Ah mon ami J’ai fait le monde!” (algo como: Ah meu amigo eu fiz o mundo).
Nunca se casou, não dava tempo, era uma aventura atrás da outra, nunca desenvolveu um talento específico, começou uma vida errante quando era jovem e nunca soube o momento de parar, e construir uma casa de alvenaria. Fez que nem o primeiro dos três porquinhos que estava muito apressado e só construiu uma casa de palha que o lobo soprou para longe. O lobo soprou a frágil estrutura dele, que depois de lutar na Legião Estrangeira era porteiro de um clube, estava envelhecido precocemente, sozinho, doente, e condenado a olhar as carteirinhas para ver se os sócios tinham pagado a mensalidade, enquanto se alimentava das suas recordações.
Um dos maiores segredos da felicidade é conseguir manter rotinas saudáveis, saber pular do bonde andando, saber voltar para ele, e chegar ao ponto final.
Assim cada vez que você tiver de ir dar uma volta com o seu cachorro, ou acordar cedo para ir ao trabalho, ou a escola, agradeça a Deus. Mas não esqueça de se dar ao luxo, de uma vez ou outra ir lutar na legião estrangeira… e voltar.