por Roberto Goldkorn
“O filósofo e estudioso moderno John Gray defende a tese de que não temos consciência, ou de que 99% do que fazemos se dá num nível sub ou pré-consciente”
Um sujeito na rua me diz que o mundo está perdido, porque as pessoas não têm consciência do que fazem.
No Facebook abundam exortações a atitudes mais conscientes, e ao uso correto do nosso estimado livre-arbítrio.
Eu fico embatucado diante desse dilema: mas se temos essa tal de consciência, por que nossa vida é tão aleatória? Tão marcada por decepções, arrependimentos, frustrações, enganos e outras palavras que são cunhadas para descrever a consequência de ato imensados ou mal pensados?
Biologicamente somos produto de seleção natural sobre alicerces aleatórios.
O filósofo e estudioso moderno John Gray defende a tese de que não temos consciência, ou de que 99% do que fazemos se dá num nível sub ou pré-consciente. Ele cita o trabalho de um neurocientista chamado Benjamin Libet que mostrou a existência de um hiato de meio segundo entre a decisão de agir e a “consciência” desse ato. E vai além dizendo que nós como organismos vivos, processamos (talvez) 14 bilhões de bits de informações por segundo. A faixa de onda da consciência mediana é de no máximo 18 bits por segundo!
Citando ainda o proprio Libet, John Gray diz que retemos uma pálida noção de livre-arbítrio/consciência quando vetamos alguma coisa, ou seja quando dizemos não!
Não ação pode ser a ação mais eficaz
Assim chegamos a uma convergência com algumas filosofias orientais como o taoísmo que propõem a não ação como sendo a ação mais eficaz.
Agir deliberadamente dá muito trabalho
Confesso que há muitos anos quando comecei a me interessar pelo assunto, fiquei feito bobo diante dessa ideia da não ação como sendo a ação mais eficaz. Mas agora me parece simples como andar para frente. Por exemplo, um grande amigo começou a fumar há cerca de vinte e tantos anos ainda adolescente. Sensibilizado pela campanha antitabagista e, compreedendo o quanto o cigarro compromete o seu futuro, ele decidiu parar de fumar. Acompanho o seu esforço diário, o exercício de sua vontade sobre as forças químicas que o cigarro desencadeava e suas consequências emocionais. Assim temos: ele começou a fumar por impulso, por motivações culturais e sem consciência do que realmente estava em jogo. Logo ação inconsciente. Livre-arbítrio zero. Já a decisão de parar de fumar – uma clara não ação, foi uma deliberação, portanto consciente que deve lutar contra as forças químicas todos os dias.
Outro exemplo, batizar os filhos assim que nascem é uma ação, em sua maior parte motivada por fatores culturais, ou seja, com baixíssimo grau de consciência; é o efeito manada em ação, embora a maioria diga que tomou essa decisão sabendo o que estava fazendo, o que está longe da verdade. Meus pais tomaram a decisão de não batizar os filhos – em qualquer religião – deixando para eles essa decisão quando tivessem idade para fazer escolhas conscientes. Isso é uma não ação, executada a partir de uma deliberação, de uma visão crítica dos hábitos e costumes da sociedade em que viviam.
Entrar num vício é sempre uma ação, mas rarefeita de consciência (o indivíduo nunca sabe o que isso vai representar de fato em sua vida). Sair do vício é uma não ação, mas essa sim motivada pela consciência (agora o sujeito já sabe onde se meteu). O mesmo se pode dizer com adesões religiosas precoces ou tomadas a partir de um baixo grau de esclarecimento.
Quando um indivíduo salta de um carro possesso e vai agredir o motorista do outro carro, seu grau de consciência nesse ato é praticamente nulo, mas ele poderá ser punido por isso, embora ele como ser consciente não estivesse presente no momento da agressão. Deixar de agir impulsionado pela catapulta das fortes emoções é uma não ação, que requer altas doses de matéria consciente. A própria sociedade estabelece o nosso grau de inconsciência quando define por exemplo qual a idade máxima em que nossos atos não serão punidos criminalmente por não termos chegado a idade onde (deveríamos ter) consciência, e portanto a responsabilidade que isso gera.
Maioria das ações é culturalmente motivada
Assim acredito que o livre-arbítrio se manifeste sim, ainda de forma incipiente nesse estágio de nossa evolução, porém muito mais nas nossas não ações refletidas, medidas e equacionadas, do que nas ações em sua maioria culturalmente motivadas.
O homem natural, portanto, é parte de um imenso rebanho de – “viciados”, embriagados de ilusões – de que são donos de alguma coisa, de que têm livre-arbítrio, de que têm “consciência”. Acredito ao contrário, que ter a tal da consciência será algo obtido ao longo de um vagaroso processo de evolução coletiva e individual, cujos horizontes ainda mal se descortinam.
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1 John Gray em Cachorros de Palha, Record, Rio de Janeiro. 2005.