por Monica Aiub
Muitos partilhantes (pacientes) levam ao consultório de filosofia clínica sua dificuldade em dizer não em determinados contextos. Isso é um problema?
Para algumas pessoas, é difícil dizer não em quaisquer contextos, para quaisquer pessoas; para outras, apenas em contextos ou relações específicas. Contudo, aceitar determinadas situações, tarefas, decisões pode trazer, e geralmente traz, consequências diretas em nossas vidas. Por isso, quando aceitamos algo simplesmente porque não conseguimos dizer não ao outro, nos colocamos em situações em que temos que responder por nossas escolhas, ainda que não as quiséssemos de fato.
É bastante comum encontrarmos pessoas que concordam com algo somente para evitar uma discussão, ou para ficar bem com aquele que propõe a ideia. Mas isto implica em comprometer-se, em assumir uma responsabilidade. Tão comum quanto encontrarmos alguém que diz sim apenas para evitar a discussão, é encontrarmos este mesmo alguém não cumprindo com o compromisso assumido, porque, na verdade, não teria condições de cumprir, ou não desejava cumprir.
Também são comuns os casos em que as pessoas concordam com algo porque realmente consideram interessante e não querem perder uma oportunidade. Mas sabem que não poderão cumprir com o prometido, e apostam: se conseguirem, será uma oportunidade aproveitada. Se não conseguirem, simplesmente não cumprirão o estabelecido.
Quando nos encontramos em determinados papéis ou cargos, representando um grupo maior de pessoas, a situação é ainda pior, pois não apenas nos responsabilizamos por elementos que dizem respeito a um grupo ou atividade, mas podemos até colocar em risco a existência daquele grupo ou atividade. Neste contexto, dizer "sim" ou "não" não é apenas uma escolha individual, mas uma escolha coletiva, cujas consequências recaem sobre todos.
Discutimos muito a questão da liberdade, e atrelada a ela, a da responsabilidade. Falamos cotidianamente de responsabilidade pessoal, responsabilidade social, responsabilidade civil, e muitas outras expressões que possuem em comum não apenas o assumir as consequências por seus atos, mas avaliá-las antes de agir, sobretudo quando a questão traz implicações a outros. Mas até que ponto somos de fato responsáveis em nossas escolhas e nossos posicionamentos? Até que ponto pensamos nas consequências para nós, para os outros e para o mundo no qual vivemos?
Aristóteles, no livro Ética a Nicômacos, aborda a excelência intelectual como um primeiro caminho para conduzir a ação ética. Ou seja, não basta ter instrução, é preciso que se tenha discernimento para distinguir, entre as escolhas possíveis, aquela que será melhor para nós e para a sociedade; inteligência para escolher a melhor; e, finalmente, sabedoria para agir segundo esta escolha. A sabedoria implica também na excelência moral, ou seja, criar hábitos que propiciem a ação que leve ao bem comum.
Se não sei dizer não em todos os contextos, como poderia eu, mesmo sabendo que aquela é a melhor escolha a todos, posicionar-me em sua defesa e escolhê-la para mim e para a sociedade na qual vivo?
Por que alguém diz sim quando gostaria de dizer não?
Não há uma resposta única para esta questão. Há quem tenha medo da rejeição, quem não queira abandonar prazeres, quem não queira brigas, quem deseje ser bom para o outro, quem queira aproveitar uma oportunidade, quem queira tirar vantagem da situação, e muitas outras justificativas, mas nenhuma delas leva necessariamente às melhores escolhas, pois às vezes é preciso dizer não para ter um posicionamento preciso.
Em alguns contextos, o dizer não leva a animosidades, a términos de relacionamentos, a conflitos familiares, a perdas no trabalho ou até a perda de um trabalho, ou seja, tanto o sim quanto o não tem suas consequências. E como diria Sartre, somos condenados a ser livres, não temos como não escolher. A escolha, seja ela qual for, nos trará consequências, e estas trarão implicações diretas não somente para nós, mas para o todo no qual nos inserimos. Dizer que não tem escolha, ou que não escolheu é, ainda segundo Sartre, má-fe, fingir que não escolheu.
A ideia de democracia é, muitas vezes, utilizada como forma de justificar a escolha por um sim ou por um não. Não sou eu quem decide, é o povo, é o grupo. Quando o povo, o grupo, de fato escolhe, temos uma situação democrática, e neste caso, saber dizer não àquilo que se opõe à escolha do povo, do grupo, é dever de quem está à frente deste povo ou grupo. Com isso quero dizer que líderes precisam saber dizer não quando necessário. Contudo, é preciso lembrar que, estando à frente de um grupo, as decisões devem ser tomadas pensando-se na coletividade, no melhor para o grupo como um todo, e não naquilo que é seu interesse, seu desejo pessoal.
Enquanto os interesses pessoais e coletivos são coerentes, não há problemas; mas quando são contraditórios, o que deve prevalecer?
No pensamento aristotélico não há dúvidas: o bem de uma sociedade é mais importante do que o bem para um único cidadão. Mas como isso se dá no mundo contemporâneo? Como isso é para você?
É comum encontrarmos pessoas que se comprometeram com grupos maiores e, de repente, por questões pessoais, abandonam seus compromissos sem pensar nas implicações de suas decisões no todo social. Simplesmente não querem mais, ou simplesmente aceitaram porque não sabiam dizer não, mas não tinham a menor intenção de cumprir com aquilo para o que se comprometeram. Outras descobrem que há uma situação mais vantajosa e abandonam seus compromissos para aproveitar as vantagens da nova situação. E isto é justificado pelo modo de vida contemporâneo, que privilegia os interesses individuais em detrimento dos interesses coletivos.
Os compromissos são facilmente abandonados, a palavra dada dissipa-se no ar e a responsabilidade é esquecida em nome da liberdade, ou mesmo em nome de uma falsa "responsabilidade", de uma maquiagem que faz o individualismo parecer ser uma ação responsável.
Não me refiro, obviamente, a todas as pessoas, pois há, ainda, muitos que cumprem seus compromissos, que são extremamente responsáveis e que sabem se posicionar muito claramente. Mas após tantos séculos de discussões e pesquisas, parece que ainda nos falta a percepção de que não vivemos isoladamente, de que nossos atos têm implicações no todo social, de que nossas escolhas constituem a nós mesmos, ao outro e ao mundo que cohabitamos.
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: UNB, 1985.
SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis: Vozes, 2012.