Por que alimentos ultraprocessados fazem engordar

O processamento de alimentos é usado para transformar ingredientes alimentares naturais em produtos comestíveis, e reflete a evolução da espécie humana. Na época dos homens das cavernas, não havia processamento de alimentos, no máximo a carne da caça era assada na fogueira, sem sal ou qualquer outra adição. Milênios depois, produtos ultraprocessados estão se tornando dominantes no sistema alimentar global. Muitos estudos citam o Brasil, mostrando que estamos entre os líderes no quesito má escolha alimentar. Alimentos ultraprocessados são práticos, baratos, supergostosos, bem embalados, disponíveis em todas as esquinas, não estragam, estão prontos para consumo e para transporte. Muitas vantagens, porém o preço a pagar é alto – a sua saúde!

Foco errado

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A publicidade alimentar (e o consumidor) adora rótulos que focam no que não está nos alimentos, como gordura, sódio, açúcar, glúten, colesterol, lactose. Muitos acreditam que alimentos rotulados como natural, orgânico, livre de transgênicos, baixo teor de gordura, zero açúcar, zero colesterol, glúten free, sem lactose, são automaticamente escolhas saudáveis. Nada disso mede o grau de processamento. Pouca atenção é dada aos aditivos alimentares cosméticos, como corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes, conservantes, utilizados para imitar os alimentos naturais, tornar palatáveis e atraentes ingredientes baratos, como óleos processados, açúcares refinados e amidos (farinhas). Eles servem também para disfarçar qualidades indesejáveis da produção final, como odor, cor, aspecto, forma.

Sistema NOVA

NOVA é um método de classificação de alimentos desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo, usado internacionalmente. O sistema NOVA se baseia no grau de processamento da comida. Os alimentos do Grupo 1 usam pouco ou nenhum processamento. No Grupo 2 estão técnicas de preparo culinário caseiro. No Grupo 3 os alimentos processados produzidos pela indústria combinam até quatro ingredientes como sal, açúcar, óleo, adicionados aos alimentos naturais para preservá-los ou torná-los mais palatáveis. Até aqui tudo bem.

Grupo 4 – os ultraprocessados

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No Grupo 4 os alimentos são verdadeiras formulações industriais, feitas inteiramente ou principalmente a partir de substâncias isoladas de alimentos in natura (frutose, lactose, caseína, glúten), extratos de alimentos alterados (óleo hidrogenado, proteína hidrolisada, açúcares modificados) e aditivos alimentares sintéticos (saborizantes, corantes, agentes de volume, adoçantes, e outros). Sua produção inclui processos industriais que modificam radicalmente a estrutura molecular do alimento, como hidrogenação, hidrólise, moldagem, remodelação, pré-processamento por fritura.

Prontos para comer

O principal objetivo do ultraprocessamento é criar produtos prontos para comer que substituam os alimentos naturais, poupando o tempo e trabalho necessário para prepará-los. Os ultraprocessados são práticos, hiperpalatáveis, vêm em embalagens coloridas e sofisticadas, têm forte propaganda e são altamente rentáveis. Problema: eles podem ser definidos como ‘não alimentos’.

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Comida maquiada

O biscoito é glúten free, porém traz enormes quantidades de gordura trans, sódio, açúcar. O leitinho achocolatado vai muito além de leite e chocolate, com açúcar como ingrediente principal. O iogurte pode ser zero açúcar, mas está carregado de adoçantes artificiais e muitos cosméticos, descritos em caracteres tão pequenos que é necessário uma lupa para enxergar os códigos indecifráveis (letras e números). Alimentos ultraprocessados têm o pior perfil de nutrientes, no entanto são os produtos mais disponíveis nos supermercados, estrategicamente posicionados para atrair a atenção.

Prejuízo para a saúde

Consumir alimentos ultraprocessados aumenta o risco de ficar doente. Diversos estudos mostram uma associação positiva entre o seu consumo e o risco de câncer, obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e autoimunes. Nas últimas décadas os padrões alimentares mudaram drasticamente, com uma ingestão cada vez maior de ultraprocessados. Pesquisas realizadas no Brasil mostram que alimentos ultraprocessados contribuem com até 50% do consumo diário de energia! É fácil ultrapassar esta quantidade. Crianças e adolescentes são os mais prejudicados, porém há muitos adultos que se entopem de ultraprocessados e quase não comem alimentos frescos.



Quanto mais processado é o alimento, maior a resposta glicêmica e menor a saciedade, por isso faz engordar

Produtos produzidos com pelo menos uma dezena de ingredientes que você não tem na sua cozinha: pães de forma embalados, lanches doces ou salgados embalados, confeitaria industrializada, refrigerantes, sucos artificiais e outras bebidas açucaradas, iogurtes e bebidas lácteas, nuggets de carne, frango ou peixe, produtos de carne reconstituídos, biscoitos e outras guloseimas destinadas aos jovens, macarrão instantâneo, sopas em pacote ou em lata, refeições prontas congeladas. Ou seja, produtos alimentares feitos principalmente ou inteiramente a partir de açúcar, óleos hidrogenados e gorduras trans, amidos modificados e isolados de proteína da soja, agentes aromatizantes, corantes, emulsionantes, umectantes, adoçantes e outros aditivos cosméticos.

Alta concentração de antinutrientes

Nos ultraprocessados a baixa densidade de vitaminas e o alto teor de açúcar, sódio e gorduras trans têm ação oxidante e pró-inflamatória. O baixo teor de fibras e a adição de conservantes (benzoato de sódio, nitrito de sódio, sorbato de potássio) afetam a flora intestinal e podem causar inflamação e disbiose (‘leaky gut’ ou intestino permeável). O processamento pode levar à formação de substâncias químicas cancerígenas, como acrilamidas, aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos policíclicos. A embalagem pode conter agentes cancerígenos e obesogênicos, que contaminam os alimentos durante o armazenamento ou durante a preparação, como bisfenol A e ftalatos.

Intestino sob ataque

Estudos recentes mostram que aditivos alimentares podem alterar a função de barreira intestinal e predispor a doenças autoimunes: açúcares diversos, sódio, emulsionantes, solventes, glúten, transglutaminase microbiana (uma ‘cola’ alimentar adicionada à carne processada, peixe, laticínios) e nanopartículas (melhoram sabor, cor e textura dos alimentos). A tireoide também pode ser afetada.

Mais doenças

Uma pesquisa de 2019 aponta que um maior consumo de alimentos ultraprocessados (mais que quatro porções diárias) foi associado de forma independente a um risco relativamente aumentado de 62% para todas as causas de morte. Cada porção adicional de ultraprocessados eleva em 18% a chance de doenças.

Obesidade

Quanto mais processado é o alimento, maior a resposta glicêmica e menor a saciedade. Comidas ultraprocessadas são as principais causadoras de obesidade, pois ativam um conjunto de alterações metabólicas, como resistência à insulina, resistência à leptina e falha do sistema de recompensa, entre outros mecanismos que levam ao aumento de massa gorda. A leptina atua na regulação do apetite e no gasto energético, aumentando a queima de calorias e diminuindo a ingestão alimentar.

Comida saudável

Para prevenir a obesidade e manter a saúde em dia deve se adotar um cardápio baseado em alimentos naturais minimamente processados: comer comida de verdade, nutritiva e saciante! Folhas, legumes, frutas, grãos, sementes, ovos, laticínios, carnes, pescados. Evite os embalados, congelados, fastfood, refrigerantes, sucos prontos e outras guloseimas fabricadas pela indústria.

Referências

*Public Health Nutrition 2019. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them.

*Public Health Nutrition 2018. The NOVA food classification and the trouble with ultra-processing.

*BMJ 2018. Consumption of ultra-processed foods & cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort.

*Endocrine 2017. The influence of phthalates & bisphenol A on the obesity development & glucose metabolism disorders.

*Folia Microbiologica 2019. Human gut microbes are susceptible to antimicrobial food additives in vitro.

*BMJ 2019. Association between consumption of ultra-processed foods & all cause mortality: SUN prospective cohort study.

*Cell Metabolism 2019. Ultra-Processed Diets Cause Excess Calorie Intake & Weight Gain: An Inpatient Randomized Controlled Trial.

*Vertex 2018. Obesity: From calories to ultraprocessed foods.