por Roberto Goldkorn
Durante uma entrevista na TV sobre meu livro Dormindo com o Inimigo, a jornalista me perguntou por que as pessoas mesmo sabendo que dormem com o inimigo levam, às vezes, décadas para dar um basta na situação.
Obviamente essa não é uma resposta simples, mas se pudesse resumir, eu diria: porque é muito duro, difícil e doloroso aceitar o fato de que sua vida esteve errada por tanto tempo. É mais ou menos como o jogador na roleta: quando está perdendo acha sempre que a sorte pode virar, mas isso é uma racionalização. Na verdade o jogador (quem dorme com o inimigo) reluta em sair de lá assumindo o prejuízo, assumindo a burrice de perder dinheiro no jogo.
Você pode dizer que há um forte componente masoquista nesse comportamento, que há um fator cultural coercitivo, tudo bem concordo, mas assumir que jogou fora tanto tempo, tanta energia, tanto investimento emocional, é a razão mais poderosa.
Vamos ver uma frase do sociólogo e psicanalista Erich Fromm, por quem nutro grande admiração. Ele falan sobre racionalizações, ou seja, pseudopensamento, tentativas toscas (para quem está atento) de mascarar a realidade com artifícios argumentativos: “As racionalizações carecem justamente dessa qualidade de descobrimento e desmascaramento; elas só confirmam o preconceito emocional existente na pessoa. A racionalização não é um instrumento de penetração na realidade, mas uma tentativa a posteriori de harmonizar os desejos da própria pessoa com a realidade existente.” (O Medo à Liberdade, Zahar Editores, 11º edição, pp.157).
Há sempre o que defender, principalmente para os apaixonados, para aqueles que derramaram seu sangue, suor e lágrimas em defesa desse amor ou dessa causa, quando as máscaras caem e o príncipe vira sapo (na verdade não vira, apenas desvira). Por isso essa luta encarniçada para defender o indefensável. Nessa luta, como não há possibilidade de um pensamento autêntico, autoproduzido (pois esses fatalmente conduziriam à constatação de que NA REALIDADE, o rei está nu), recorre-se à falácia da racionalização.
Quando a mulher que apanha na cara argumenta em favor do seu agressor, que ele foi maltratado pela mãe, e está corrompido pelo álcool, ela não está mentindo, está apenas racionalizando, usando um clichê cultural, para justificar não o seu agressor íntimo, mas a sua vida investida naquela barca furada. Admitir que votou mal, que casou mal, que defendeu o bandido confiando que era o mocinho (como eu fiz durante anos com os E.U.A), e admitir um tempo perdido, o que para muitos é insuportável, é a constatação da própria incompetência, do fracasso.
Essa situação se agrava quando o investimento foi apaixonado, ou seja unívoco. Como se diz popularmente, “aquele cujo único instrumento é o martelo, vê o mundo em forma de pregos!” A paixão é assim, exclusivista, monolítica, não admite diversidade, nem o contraditório.
Por mais duro que seja, por mais mortal que pareça ser a perda da ilusão, do sonho, da esperança, se for encarada com coragem, e verdade, vai levar a um renascimento. Ao morrer para o falso, vamos sempre poder renascer para o verdadeiro (ou não), e assim contribuímos para sanear o mundo, e saneado ele se torna melhor, mais real, mais habitável.