Imagino que as pessoas de minha geração, assim como eu mesmo, devem estar estarrecidas com o conteúdo da reunião ministerial do governo Bolsonaro, recentemente divulgada. A nós, que participamos do movimento de redemocratização do Brasil após mais de vinte anos de uma ditadura militar, devem ser chocantes as cenas de total falta de republicanismo e de vergonha na cara manifestadas pelos nossos atuais ministros.
Parte disso deve cair sob nossa responsabilidade certamente, porque fomos nós que conduzimos o Brasil após a volta da democracia. Como poderíamos estar agora tão próximos de uma nova ditadura ou, ao menos, em condições de civilidade tão precárias a ponto de parecer aceitável um tipo geral de comportamento tão avesso à coisa pública, tão mesquinho e apequenado?
Isso só pode ser explicado a partir da constatação de que minha geração falhou com o Brasil. A possibilidade de termos um país mais justo, com melhor distribuição de renda, com menores desigualdades e oportunidades melhor distribuídas, que era parte do nosso sonho, parece estar bem distante. Algo no caminho do projeto de minha geração descarrilhou feio para estarmos agora assistindo a uma condução do país tão avessa aos interesses da maioria da população.
Onde está a resposta?
É possível que as respostas para essa desilusão sejam complexas e não admitam respostas simples. Porém, creio que parte dela se encontra no fato de termos sido ingênuos. Não ingênuos diante das forças políticas contrárias que governam o país há quinhentos anos e que, de uma maneira ou outra, afirmam a situação colonial da qual não nos livramos. Acredito que nossa ingenuidade é aquela típica da juventude: exagerar suas próprias virtudes e sua capacidade de alterar realidades constituídas.
O Brasil é um país difícil. Nós temos e tivemos a tendência para imaginar que para a emancipação do nosso país bastaria certas condições políticas para que se abrisse diante de nós o caminho da constituição de uma república democrática moderna. As esquecemos de um detalhe muito simples.
Brasileiros não querem um país moderno
A pergunta que deixamos de lado é a seguinte: quem quer uma república democrática moderna no Brasil? Quem sonhou aquele sonho? A maioria da população? Certamente que não. O posicionamento político dos brasileiros, daqueles que efetivamente decidem para onde o país vai é claríssimo. Os brasileiros não querem um país moderno. Não apenas em função dos resultados das últimas eleições, mas pela constatação de que entre 25 e 30% das pessoas ainda apoia o governo de Jair Bolsonaro. Isso após um ano e meio de puro desgoverno e de uma matança indireta desnecessária em função da pandemia da Covid!
Modernizar requer um custo existencial
O que esquecemos de levar em consideração nos nossos propósitos de modernizar o Brasil? Esquecemos que a modernidade possui suas próprias exigências, seu próprio custo existencial, uma mudança de estilo de vida e que – me parece claro a essa altura – a maioria da população não quer pagar. Isso quer dizer que desprezamos, as pessoas de minha geração, o custo humano de nos tornamos democráticos e modernos.
Sintoma nefasto da reunião ministerial
O que é extremamente sintomático da reunião ministerial a que tivemos acesso, é um modo de tratar a coisa pública de maneira pessoal. Todos se manifestam tendo em vista o seu próprio interesse: seus familiares, seus amigos, suas relações de proximidade, seus interesses imediatos. A Covid sequer é mencionada! Ou seja, o Brasil continua sendo conduzido como se o poder nada mais fosse que uma questão de relações de amizade em que prevalece a proximidade entre as pessoas. Chamo a atenção para o verbo: o Brasil continua sendo conduzido assim. Porque tirando alguns breves momentos, o Brasil tem sido assim nos últimos quinhentos anos.
Culturalmente somos adeptos da lógica da proximidade em que só damos valor para relações emocionais e em que nos guiamos por amizades ou inimizades. Isso não é nem bom nem ruim, é só o que temos sido. Claro que quando se trata de constituir uma república democrática moderna, essas características se tornam obstáculos. Isto é, os nossos valores culturais, aquilo que temos sido e que valorizamos, está em rota de colisão com aquele projeto da minha geração.
Sonhar ou viver?
Diante disso, temos alguns caminhos possíveis. Um deles é manter o projeto de modernizar o país, seja a que custo for, independentemente da vontade da população, incluindo aqui a possibilidade de uma ditadura modernizante – seja lá o que isso signifique. O outro é remodelar o projeto para que ele faça sentido para o nosso ambiente. Nesse caso, teríamos que abrir mão do valor de uma república democrática moderna. Em ambos os casos as pessoas da minha geração terão que cortar na própria carne: ou ficamos com o Brasil que existe ou ficamos com os nossos sonhos de juventude. Não se pode trilhar os dois ao mesmo tempo.