por Monica Aiub
Muitos dos partilhantes (pacientes) que procuram os consultórios de filosofia clínica trazem como questão o tempo, ou melhor, a falta de tempo, a sensação de que passam a vida correndo sem nunca chegar a lugar algum.
Queixam-se de cansaço, de excesso de trabalho, atribuições, compromissos, e questionam-se: "Para que tanto desgaste, tanto sacrifício?". Você já sentiu algo parecido? Já questionou os motivos pelos quais corremos tanto e temos a sensação de permanecermos no mesmo lugar?
De fato, é muito comum, em nossa sociedade, a necessidade dos excessos, seja no trabalho, seja na vida pessoal. Crescemos aprendendo que devemos fazer algo o tempo inteiro. Ficar parado por alguns instantes, ainda que seja para descansar, ou simplesmente para apreciar uma cena cotidiana, parece ser algo vergonhoso, um desperdício da vida, tempo – algo tão precioso – jogado fora.
Somos adestrados para tornar todo nosso tempo produtivo e, voluntariamente, transformamos o que seria nosso tempo de lazer em tempo de "produção". Cobramos uns aos outros para que tenhamos, todos nós, esta postura. Alguns poucos conseguem escapar da "escravidão" gerada pela exigência de constante, e cada vez maior, produção. Mas grande parte de nós simplesmente corre, cotidianamente, como personagens de Alice no País das Maravilhas na "corrida maluca", onde correm em torno de uma ilha. Não há vencedores ou perdedores, não há objetivo na corrida. No texto de Lewis Carroll, todos ganham, segundo a fala do coelho, mas em nosso caso… alguém ganha com isso?
Perdemos em saúde, em qualidade de vida, em convívio com aqueles que amamos, vivemos estressados, cansados, e com uma constante sensação de frustração, pois, por mais que façamos, ainda é pouco…
É interessante observar a historicidade de alguns partilhantes (pacientes). Eles vivem assim, queixam-se por não conseguirem atingir seus objetivos, a fala habitual é: "Corro demais e, no final, de nada adianta". Contudo, ao observarem suas historicidades e constatarem o quanto realizam em seu cotidiano, assustam-se. Mais do que isso: concluem que fizeram tudo o que se propuseram a fazer, que realizaram bem o que programaram para suas vidas, mas a sensação é de sempre estarem aquém.
Você já sentiu algo semelhante? Observe o quanto, de fato, realizou em sua vida, o quanto realiza em seu cotidiano. Observe também o que falta, o que você costuma cobrar de si mesmo. Será que o que traça como planos e não consegue cumprir é realizável dentro do tempo e do contexto que possui?
Algumas pessoas realmente sentem dificuldade para viver o ritmo cotidiano, o ritmo exigido pela sociedade. Em alguns casos, é possível alterar o ritmo interno, seu próprio tempo, mas também é possível, em outros casos, modificar a forma de vida, optando por uma "vida tranquila" (compreendendo, é claro, que "vida tranquila" possui aqui um significado muito próprio a cada um).
Independentemente da forma como você lida hoje com esse problema, a questão que se coloca de um modo mais amplo é que algumas pessoas ganham com esse ritmo desenfreado em que vivemos e, o mais interessante ainda, é que, na maioria das vezes, não somos nós a ganhar. Não é fato desconhecido de todos que a concentração de renda está cada vez maior, nas mãos de um número cada vez menor de pessoas. Em 20 de janeiro do presente ano, foi notícia no jornal Folha de São Paulo que "Patrimônio dos 85 mais ricos é igual ao da metade da população mundial". Muitas outras matérias veiculadas em nossa mídia e pesquisas realizadas sobre o tema mostram que a tendência é ainda aumentar a concentração de renda, diminuindo cada vez mais o número daqueles que acumulam as riquezas do mundo.
O fato é que isso só é possível porque grande parte da população mundial trabalha, produz constantemente, ininterruptamente, para gerar riquezas que não são usufruídas por esta mesma parcela da população. Nós corremos, produzimos, trabalhamos constantemente, e aquela mínima parcela da população, que já acumula mais da metade das riquezas mundiais, enriquece mais a cada dia, colhendo os frutos do trabalho de todos aqueles que "correm tanto e não chegam a lugar algum".
Então, por que corremos? Por que nos sentimos aquém das necessidades se produzimos muito? Porque é esta a mentalidade necessária para que exploremos ao máximo nosso tempo, nosso potencial, e dediquemos toda a nossa energia vital para alimentar aqueles que, na verdade, dependem de nossa correria para sustentar sua ostentação.
Do que nós realmente necessitamos?
Quais seriam as possibilidades existentes em nosso entorno para que pudéssemos utilizar nossa energia vital para a construção de nossa própria existência, ao invés de trabalharmos para o aumento da concentração de renda nas mãos de tão poucos?
Precisamos, de fato, "correr tanto" para que possamos encontrar realização pessoal e profissional?
Precisamos abrir mão da saúde, da tranquilidade, do convívio com as pessoas que amamos para que possamos nos constituir como bons profissionais?
São muitas perguntas, e as respostas, que também são múltiplas, precisam ser pensadas de um modo mais amplo, para além da mentalidade que nos escraviza a um tempo que nunca é suficiente para que possamos simplesmente ser, coexistir, viver.