por Monica Aiub
Continuando a tratar do Tópico Ação (ver artigo anterior – clique aqui), você já se flagrou dizendo uma coisa e pensando em muitas outras ao mesmo tempo? Já ocorreu de você pensar exatamente o oposto daquilo que estava dizendo, numa espécie de diálogo entre você e você mesmo, com uma ligeira discussão, um apresentando argumentos para convencer o outro? E já ocorreu de chamar outras linhas de pensamento, outras vozes, à conversa? Como se houvessem vários de você a conversar no seu interior? Às vezes o mesmo assunto, às vezes assuntos completamente diferentes? Em alguns círculos isso seria considerado “loucura”, mas… você já viveu essa “loucura”?
Burburinho interno
Muitas pessoas queixam-se, no consultório, desse burburinho interno, causando certo incômodo, provocando indecisões, questionamentos. Há pessoas que não conseguem silenciar seus pensamentos, precisam desse debate “acalorado” no seu interior, a fim de elucidar melhor as questões, situações e posições. Outras sofrem por não conseguir, pois as muitas vozes internas geram uma grande confusão mental.
Muitos de nós aprendemos, em nossa formação escolar, que devemos fazer uma coisa de cada vez. Nesse exato momento, o que você está fazendo, além de ler esse texto? Quantas janelas estão abertas no seu computador? Quantos pensamentos se passam em seus estados mentais?
Steven Rose, no livro O cérebro no século XXI, descreve, entre outros casos, o excessivo diagnóstico de ADHD (Distúrbio de Déficit de Atenção/Hiperatividade) e a prescrição de Ritalina (metilfenidato, droga que intensifica a transmissão de dopamina) para crianças com tal diagnóstico, assim como experiências do uso de Ritalina em crianças que não possuíam o diagnóstico, a fim de pesquisar o quanto a droga poderia tornar mais tranqüila a vida de pais e professores.
“A implicação clara é que, seja lá o que faça para a criança, a Ritalina torna a vida mais confortável para professores e pais ocupados. O resultado é que a pressão para receitar a droga nos Estados Unidos, e, mais recentemente no Reino Unido, tem vindo muito de fora da profissão médica e psiquiátrica, e muitas vezes dos próprios pais, especialmente durante os anos 1990, que nos Estados Unidos foi um período de aumento na quantidade de alunos nas classes, rejeição aos castigos físicos nas escolas e financiamento especial para escolas que identificassem crianças com incapacidades do tipo ADHD (…) Crianças mais calmas em casa e na escola são mais fáceis de criar e ensinar. Entretanto, a Ritalina não ‘cura’ o ADHD mais que a aspirina cura a dor de dente. Mascarar a dor psíquica indicada pelo comportamento destrutivo pode propiciar um espaço para pais e professores respirarem e para a criança negociar um relacionamento novo e melhor; mas, se a oportunidade não for agarrada, mais uma vez vamos nos encontrar tentando ajustar a mente, em vez de ajustar a sociedade” (ROSE, 2006: 288-289).
Tentativas: ajustar a mente ao invés de ajustar a sociedade
Entre outros exemplos, Rose nos alerta para as subseqüentes tentativas de ajustar a mente ao invés de ajustar a sociedade. Sua preocupação diz respeito a inúmeras pesquisas que visam manipular, modular a mente, tornando-a mais adaptável às necessidades de uma sociedade que, segundo ele, está doente. Como exemplo, cita o caso da ADHD, no qual ocorreram situações em que a Ritalina foi prescrita para crianças que não possuíam o diagnóstico, como teste para avaliar seus efeitos. Ele questiona se é o caso das crianças apresentarem ADHD ou estarem desinteressadas?
Atualmente, é muito comum o diagnóstico da ADHD em nossas escolas, mas não observamos, como Rose denuncia que não foram observadas nas pesquisas americanas, as diferenças existentes no comportamento da criança na escola durante a semana, e em casa aos finais de semana. Muitas das situações diagnosticadas como ADHD poderiam ser compreendidas como desinteresse da criança diante das aulas e atividades desenvolvidas, outra parte das situações seria resultado de um ambiente inadequado para o convívio, gerando os sintomas do distúrbio.
Escola: metodologia arcaica pode gerar desinteresse
Imagine-se diante de seu computador, com várias janelas abertas, ouvindo música, fazendo pesquisa, batendo papo com os amigos, respondendo e-mails, lendo artigos e escrevendo outros. Tudo isso ao mesmo tempo, com interatividade, com várias diferentes janelas abertas na tela e em sua mente. Agora imagine que você foi retirado daí e colocado numa escola onde o professor escreve na lousa um trecho de livro ou apostila para você copiar e, quando você e a turma terminarem a cópia, vocês lerão o texto e ele explicará os conteúdos ali descritos. Enquanto ele faz isso, você e toda a turma deverão manter a atenção total e exclusivamente no professor. Você seria capaz de fazer isso?
Ou sua atenção, acostumada a dividir-se em inúmeras tarefas diante de seu computador, não conseguiria ater-se a um único interlocutor, numa única atividade? Em qual dessas situações você manteria maior atenção, na sala de aula descrita ou em seu computador?
Se você considerou essa escola extremamente arcaica, saiba que boa parte de nossas escolas de Educação Básica ainda funciona desta maneira. O que esperar de um jovem aluno, acostumado, fora da escola, a fazer várias atividades ao mesmo temo, a pensar em muitas coisas juntas, a estabelecer seus diálogos internos o tempo inteiro?
Como seria para essa criança viver esse modelo com toda a atenção voltada para o professor? É compreensível que a criança, nesse contexto, adote um comportamento indisciplinado. Mas se seu comportamento for lido como um distúrbio, passível de medicamento, torna-se um caso médico, e não mais um caso educacional.
Em outras palavras, não há punições, questionamentos ou educação para essa criança, não há modificações no modo de ensinar, não há mobilidade nas estruturas escolares. Há medicamentos para modificar sua mente, ao invés de flexibilidade e adequação nas formas de educação vigentes.
Mas não são apenas crianças que são diagnosticadas equivocadamente por causa de seus comportamentos. Adultos também são diagnosticados excessivamente com ADHD, como se vivêssemos uma verdadeira síndrome de déficit de atenção. O que provoca esse déficit de atenção? Ele existe desde sempre? Ele foi desenvolvido?
Até para pesquisarmos o que se passa com nossos pensamentos, fazemos uso do próprio pensamento, como uma espécie de olhar para si mesmo. Observe o processo de seu pensamento e identifique: a velocidade de suas idéias e como isso varia de momento para momento, de relação para relação?
Agora, ampliando o exercício imagético, considere-se numa universidade livre, onde as aulas – previamente propostas para um público interessado em partilhar o conhecimento – permitem um constante fluir, o dedicar-se a inúmeros projetos, todos de uma vez, e desmembrar deles outras tantas idéias. Você conseguiria pensar cada parte do projeto, cada cantinho da universidade? Ou você faria um projeto que considerasse o ambiente e suas possibilidades e, em conseqüência, não conseguiria seccionar o projeto?
Acrescentando a isso o excesso de informação encontrado nos sites de busca, para que insistimos num sistema educacional que provoque a reprodução de conhecimentos, se sabemos que qualquer conhecimento armazenado só faz sentido se adequadamente utilizado? Não seria o caso de fazer uso dos novos recursos e ensinar o aluno a lidar com eles?
Interação entre mente e mundo
Se os computadores desempenham tantas tarefas ao mesmo tempo, por que nós só podemos ter sucesso em uma única tarefa de cada vez? Será que não exigimos um modelo de formas de pensar, previamente determinado, e por isso nos questionemos constantemente sobre formas de mudar a mente, para somente então, pensarmos no que fazer? Não caberia estudar, primeiramente, o mundo que se delineia em nosso redor, nossas formas de percepção e ação e, subseqüentemente, trabalhar as interações entre mente e mundo, mundo e mente?
Talvez nossa maior dificuldade se encontre no fato de insistirmos na dedicação a uma única tarefa, a uma única linha de pensamento, quando, na verdade, nossos cérebros desenvolvem inúmeras tarefas ao mesmo tempo, e o mundo a nossa volta exige a execução de todas elas e mais algumas. Por que não criar, para os ambientes educacionais – formais ou informais , situações que propiciem o desenvolvimento dessas múltiplas habilidades?
E se eu não conseguir? Também não há problemas, pois há lugar no mundo para quem necessita fazer uma coisa de cada vez, assim como há lugar para aqueles que necessitam fazer muitas e várias coisas ao mesmo tempo.
Não há formas melhores ou piores, obsoletas ou avançadas, independentemente dos contextos e necessidades. Elas assim se fazem na medida em que são adequadas ou não às pessoas e aos ambientes com os quais nos relacionamos e, principalmente, na medida em que nos permitem lidar com as situações que se apresentam para nós.
Referências Bibliográficas:
ROSE, S. O cérebro no século XXI: como entender, manipular e desenvolver a mente. São Paulo: Globo, 2006. .