por Ceres Araújo
Vivemos em uma época tão rica em tecnologia e tão pobre em ética. Estamos criando "superbebês" e "supercrianças", nascidas na era digital, precoces no seu desenvolvimento, ávidas de novidades, ligadas a muitos estímulos ao mesmo tempo e também capazes de muitas ações simultaneamente. Nossos filhos têm seus cérebros formatados pelas ricas experiências que estão vivendo, pois o cérebro é uso dependente. Ou seja, é uso dependente no sentido de que as redes neuronais se formam em função das experiências de vida. Assim é vivendo a vida, é processando estímulos repetidamente que as cadeias neuronais vão se fixando. Isso em todas as idades.
Nesse sentido, eles são muito diferentes de seus pais e de seus avós e bisavós. Cumpre incluir esses últimos, pois a idade média de vida tende a aumentar e o convívio, entre quatro gerações, passa a ser algo freqüente. As diferenças na forma de viver a vida são progressivamente cada vez mais marcantes.
Entretanto, princípios, normas e regras de conduta sempre foram e continuarão a ser o que distingue a humanidade no ser humano e continuarão imprescindíveis para sempre. Ética e moral são adquiridas e não inatas, são próprias do homem que cria uma natureza moral sobre a sua natureza instintiva. Uma pessoa só é ética quando se orienta por princípios e convicções.
É função inalienável dos pais transmitirem uma conduta ética a seus filhos. Ética é uma matéria que faz parte do aprendizado de vida, no qual os pais devem ser os melhores professores.
Então, como se ensina ética? Ensina-se aquilo que se tem e aquilo que se é. O que vai ser transmitido para os filhos não é o que se origina de um discurso verbal, mas sim o que se é e como se age. Sabe-se que a criança é um perfeito sensor para captar o que se passa na mente dos pais.
A colocação dos limites adequados às atuações da criança é uma das formas importantes para se ensinar conduta ética. O "não" é um organizador fundamental da vida psíquica e necessário para que a criança se desenvolva. Receber "não" significa ter que lidar com frustração, adiar satisfação de necessidade e entreter tensão interna. Além disso, esse mesmo "não", serve também para que a criança aprenda, por insistir no seu intento, alternativas inteligentes e aceitáveis para obter o que ela deseja. Aprende, assim, a controlar impulso, a regular as emoções, a desenvolver inteligência e o respeito pelo outro.
Como a psicologia vem demonstrando, em inúmeros artigos publicados, limites fazem bem e são fundamentais para que o ser humano cresça forte e feliz. Uma criança, que vive sem os limites adequados, não se transforma em um homem íntegro e livre como se acreditou, ingenuamente, décadas atrás. Ao contrário, se transforma em alguém inconsistente, desorientado e dependente. Por quê?
Por que a criança que apenas recebe sim, não precisa fazer confrontos, não precisa exercitar sua inteligência para buscar alternativas para conseguir o que quer, não precisa lutar para convencer os pais de que ela está certa. Tudo é possível a priori e isso a faz fraca, muitas vezes uma tirana em casa e uma covarde fora de casa, pois não teve chance de verdadeiramente lutar pelo que queria e que foi impedido. O confronto com os pais prepara a criança para os confrontos da vida. A criança enfrenta os pais para conquistar autonomia. Essa batalha precisa ser gloriosa, logo os pais têm que ser fortes, senão não tem valor a luta. Primeiro com birras (onde tem que perder para os pais) depois com argumentações (onde pode ganhar muitas vezes). A criança e o adolescente vão lutando para se afirmarem, para ganharem autonomia. Quem não passa por isso, não sabe o que quer e fica dependente da posição, da colocação do outro ou para se submeter ou para fazer o contrário, por não ter desenvolvido referênciais próprios.
Nascida ligada ao mundo dos instintos e impulsos, a criança precisa aprender a transformar impulsos em afetos discriminados e essa é uma tarefa que perdura durante toda a infância e mesmo durante a adolescência. Gostar, amar, querer, ser gentil, generoso e tolerante co-existem ao lado de odiar, detestar, ter inveja, ciúmes, etc.. Porque não se trata de pregar a velha ética, na qual se exigia que o homem devesse ser bom, nobre e sempre ativo e disponível a servir, seguindo os valores éticos de piedade, fidelidade, coragem e racionalidade. O ideal da velha ética era a perfeição e todos os componentes negativos do ser humano deveriam ser reprimidos e suprimidos. A ética segue o processo histórico e a nova ética é a do homem contemporâneo, que se confronta com a pluralidade de sua natureza e reconhece seus atributos positivos e negativos, suas qualidades e suas limitações e que muitas vezes se vê inseguro quanto a seus valores.
É justamente pela integração do lado primitivo da sua natureza que o ser humano ganha tolerância e o sentimentos de pertencer à sua espécie, solidariedade e responsabilidade coletiva. Respeito pelo outro e respeito a si mesmo são condições determinantes para um comportamento ético.
Assim, não se trata de ensinar ao filho ser sempre o "bonzinho", pois se corre o risco de ser o bobo, mas se trata de ensiná-lo a assumir a responsabilidade por suas ações, desde os primeiros tempos de vida. Trata-se de ensiná-lo que os limites de seu próprio espaço terminam ao começar o espaço do outro. Também, como mãe ou pai, dar um exemplo de autonomia e liberdade interna para fazer escolhas. Escolhas, não para ganhar amanhã, mas que dêem sentido ao hoje.
O mundo e o nosso país precisam de famílias, onde os pais ensinem às suas "super crianças" que os bens de consumo, a liberdade individual e a própria felicidade se conquistam com condutas éticas e não tentando levar vantagem em tudo, para que no futuro não aceitem, por exemplo, a corrupção como um meio justificado por um fim.