por Fernanda Menin
'Antes só do que mal acompanhada'. Embora tenhamos escutado esta frase inúmeras vezes ao longo de nossas vidas, poucas mulheres realmente levam-na a sério. Esta conclusão baseia-se em dados reais, extraídos do site www.ipas.org.br. As estatísticas são impressionantes: 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica. A cada quatro minutos, uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém relação de afeto; sete em cada dez incidentes acontecem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro e mais de 40% das ocorrências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos.
Esta cruel realidade é uma verdadeira bofetada em nosso orgulho nacional, uma vez que adoramos nos imaginar e nos posicionar frente ao mundo como cidadãos de um país onde a liberdade e as diferenças são respeitadas. Em relação à condição da mulher brasileira, isso é absolutamente mentiroso. Horrorizamo-nos e criticamos nações que publicamente obrigam suas mulheres a se cobrirem ou mutilam seus órgãos genitais, mas compactuamos com a violência silenciosa que ocorre todos os dias nos lares do país.
Mas como mudar esta situação? Acredito que o primeiro passo para esta transformação seria entendermos a violência contra a mulher como um "sintoma" de algo muito mais amplo e menos concreto: a desvalorização do princípio Feminino. Atualmente, vivemos uma fase do desenvolvimento de consciência que obedece ao princípio Masculino, caracterizado pela valorização da lógica racional, da competitividade e da exclusão do diferente.
O princípio Feminino, por sua vez, tem como características a valorização do sentimento, a introspecção, a inclusão da diferença e a parceria. É válido ressaltar que ambos os dinamismos são indispensáveis à vida psíquica e concreta, e estão presentes em homens e mulheres. Seria errôneo pensar que os homens só encerram dentro de si o dinamismo Masculino, e o mesmo é válido para as mulheres. A questão é que, por sua própria natureza, o dinamismo Masculino, desvaloriza o diferente – o Feminino e, mais concretamente a mulher que, pela questão de gênero, encarna este princípio com mais evidência.
Ao olharmos a questão sob esta ótica, percebemos que homens e mulheres são igualmente responsáveis pelo "sintoma" da violência doméstica ao desvalorizarem o Feminino. Na busca por igualdade de condições (financeiras, profissionais, sexuais, etc…), as mulheres acabaram utilizando como recurso a igualdade de comportamento – vestiram as calças e queimaram os sutiãs, adotando um modelo de comportamento baseado nas características do Masculino e excluindo o diferente, ao invés de defender seu espaço respeitando as diferenças inerentes aos gêneros sexuais. Com isso, acabaram desvalorizando o Feminino e tornaram-se vítimas da armadilha que ajudaram a preparar.
Embora o panorama pareça favorável aos homens, estes também perderam muito com esta situação. Perderam o direito de demonstrar seus sentimentos, o que dificulta o contato com seu mundo interior e prejudica as relações interpessoais que pedem sensibilidade e respeito ao outro, condição que poucos homens ousam admitir.
Espancar a mulher externa é também espancar a "mulher" que vive dentro de si. Como dinamismo psíquico, a negação da importância do princípio Feminino e sua subseqüente desvalorização é um fenômeno coletivo e, portanto, independe de fatores econômicos e sociais. Por isso a violência doméstica tornou-se uma ocorrência abrangente, atingindo famílias mais e menos abastadas.
O que faz com que mulheres tolerem este tipo de situação em suas vidas cotidianas é exatamente a "supervalorização" do masculino e, a partir desta, a crença de que o valor de uma mulher está relacionado à sua "capacidade" de ter um homem ao seu lado. Raramente isto é dito abertamente, mas subliminarmente esta crença existe e é inclusive reforçada pela mídia. A abundância de pares românticos nas novelas e filmes, a excessiva publicidade em torno dos casamentos dos famosos e revistas com matérias sobre como conquistar um homem e a melhor forma de levá-lo ao altar, por exemplo, promovem a idéia de que só se pode ser feliz com um outro, ainda que isso exija que algumas vezes a mulher se submeta a este tipo de violência.
É claro que as relações amorosas são importantes na vida de todas as pessoas, e simbolizam a união de opostos complementares, formando uma totalidade. Mas para tanto, é preciso que a relação se estabeleça de forma igualitária, com a compreensão mútua de que embora diferentes e, justamente por serem diferentes, ambos merecem respeito e valorização. É fácil conviver com o igual, mas o desenvolvimento psíquico acontece na relação com o diferente, no exercício dos limites e do respeito ao outro.
Às mulheres, depreciadas física e psicologicamente, cabe o direito e a responsabilidade de descobrir e valorizar seu potencial, ao invés de reverenciar o Masculino como algo absoluto e deixar que seu valor pessoal seja ditado por sua capacidade de "conquista" de um parceiro. Obedecendo ao princípio Feminino, deveriam aprender a valorizar seu mundo interno de emoções e sentimentos, a começar pelo mais básico deles, o de auto-preservação. Só desta forma a frase "antes só do que mal acompanhada" poderá ser vivida genuinamente, como uma forma de respeito a si própria e ao seu direito de liberdade e integridade física e, sobretudo, psicológica.