por Patricia Gebrim
Eu tenho uma teoria. Não tenho nenhuma pretensão de que seja verdadeira, é só uma dessas coisas que às vezes nos vem à mente em uma noite estrelada e parecem explicar muita coisa.
A teoria veio enquanto eu pensava nas infinitas pequenas coisas às quais nos agarramos e que tanto nos fazem sofrer. Se você prestar atenção ao seu redor vai entender o que digo. Quanto desperdício de energia …
Sofremos porque os motoristas são lentos no trânsito, sofremos porque o computador quebrou, sofremos porque alguém deixou os sapatos largados na nossa sala de estar, sofremos porque as pessoas não agem como achamos que deveriam agir, sofremos porque queríamos comprar algo que não podemos… e por aí vai.
Observe quantas vezes sofremos por coisas que se repetem ironicamente em nossas vidas, e mesmo sabendo que o sofrimento de nada adianta, continuamos lá. Como se fôssemos prisioneiros de uma roda mal-assombrada, ficamos lá, girando ao redor das mesmas questões, abrindo mão de nossa liberdade de voar para além daquela repetição infernal.
Alguém nos fere, nos trata sem consideração, e em vez de simplesmente mandar a pessoa “passear” continuamos lá, agarrados ao sofrimento, aceitando tudo, de novo, de novo e de novo, lutando contra a óbvia realidade de que aquela pessoa simplesmente não vai mudar. Anos e anos perdidos. Por que não mudamos nós? Simples assim… por que não saímos de cena, mudamos a história?
Agora que já entrei no assunto, peço que me permita compartilhar a minha teoria:
Aí vai… sofremos tanto por coisas pequenas porque no fundo temos medo de dar de cara com a “coisa grande”.
E a “coisa grande” é o medo que todos temos da morte, da finitude da vida.
Escolhemos inconscientemente nos aprisionar aos infinitos sofrimentos do a dia a dia para esquecer a impermanência de nossa condição humana.
Temos tanto medo dessa tal morte, que precisamos nos amortecer o tempo todo, precisamos desviar nossa atenção, e fazemos isso nos preocupando com infinitas coisas pequenas, fazendo com que ocupem todo o espaço dentro de nós, permitindo que nos envolvam de tal maneira que nunca tenhamos que olhar para o medo grande. Criamos esse monte de problemas, nos perdemos em meio às nossas neuroses (neurose é repetição!), nos distraímos com coisas sem importância para que não exista espaço dentro de nós para o vazio, para o silêncio onde repousa a verdade última que diz que todos caminhamos em direção à morte.
Se parássemos de nos amortecer nos problemas diários, se cessássemos o movimento doentio dessa roda ilusória de repetições. Se olhássemos corajosamente para a morte, bem lá no fundo escuro que existe dentro dos seus olhos, por incrível que pareça, tocaríamos a vida.
Porque quem sabe da morte entende o valor do tempo.
E quem sabe o quanto vale cada instante, não o desperdiça em coisas banais que tão pouco significado tem.
Se tivéssemos a coragem de aceitar que a vida é finita, a viveríamos com muito mais presença e prazer. Se encarássemos cada minuto como aquele que antecede o minuto final, o sorveríamos como se fosse o mais puro néctar. Se fôssemos corajosos a ponto de silenciar essa loucura interna que criamos para nos amortecer, se pudéssemos penetrar no vazio com a humildade de quem tira os sapatos para adentrar um lugar sagrado, ouviríamos a voz de nossa alma, e saberíamos cuidar melhor da vida, e das pessoas, e de nós mesmos.
Assim, a meu ver, não há como encontrar a verdadeira paz sem que antes tenhamos – como diz Castaneda em seu livro Viagem a Ixtlan – a morte como companheira.
Apresse-se, apresse-se… vá em busca da paz … os ponteiros não param.
E na paz … apenas na paz … a vida se torna maior do que a morte.