Por que ficamos cada vez mais ignorantes?

Talvez não exista no mundo atual um valor mais desejado do que o da liberdade. Sua busca faz parte da grande maioria das narrativas, reais ou fictícias, que orientam as práticas sociais do mundo ocidental. Ser livre apresenta-se como um desejo que não requer justificativa. A liberdade vale por si mesma.

Por outro lado, há os constrangimentos que se apresentam e que limitam ou impossibilitam o gozo pleno da liberdade. Grande parte da vida dos indivíduos poderia ser contada tendo em vista o quanto cada um consegue concretizar do valor ideal da liberdade. De fato, existe uma grande variedade de graus de conquista da liberdade. Podemos dizer que uma pessoa que não possui uma boa educação não é livre o bastante. De uma outra, que vive na miséria, que também não possui as condições mínimas para ser livre. De uma terceira, que possuindo dinheiro em demasia, termina tornando-se refém – o que também compromete sua liberdade.

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Condições culturais e liberdade 

Mas o que me interessa aqui não é o quanto as condições existenciais podem limitar ou potencializar a posse da liberdade por cada um de nós. Me interesso pelas condições culturais que podem auxiliar ou não a obtenção da liberdade por parte dos indivíduos. Trata-se de um arranjo de possibilidades, que não depende diretamente de cada um de nós, mas que estabelece um horizonte em que a liberdade pode ou não ser obtida.

A ciência ocidental prometeu-nos no passado que o exercício de nossas faculdades racionais, devidamente monitorada pela própria razão, nos conduziria à verdade, à melhoria da vida dos homens, ao bem-estar social e à felicidade. Acho que é perfeitamente legítimo incluir na promessa da felicidade a obtenção da liberdade. Aliás, existe mesmo uma crença muito disseminada entre nós de que o conhecimento nos liberta. Por outro lado, entendemos que a ignorância é compreendida como uma espécie de dependência. Por isso, parece que uma vida calcada no conhecimento científico deveria também ser uma vida marcada pela liberdade. Agora temos de verificar se a dinâmica atual do conhecimento científico realmente propicia uma libertação para a maioria das pessoas.



Especialização: marca do conhecimento científico            

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A marca característica do conhecimento científico, hoje, é a especialização. Cada ramo do conhecimento, cada ciência ou área de investigação, tornou-se tão ampla e o conhecimento tão complexo que foi necessário subdividi-la em temas menores. Ou seja, o avanço do conhecimento conduziu à fragmentação. Não me refiro somente ao conhecimento mais esotérico, propriamente científico, mas também àqueles conhecimentos de que lançamos mão para nos orientar em nossas vidas. Na verdade, esses últimos têm sido dominados pela ciência em função de sua importância cultural. Lembre-se como na propaganda aparecem homens e mulheres de jaleco branco, expressando o poder do especialista.

Se quero educar bem meus filhos, procuro ler livros de alguns psicólogos para me auxiliar. Afinal, sendo filósofo não posso saber de tudo. Se quero ter um cão, é sempre bom orientar-se com um veterinário, principalmente com relação a vacinas, controle de parasitas. Se quero controlar meu orçamento, uma boa dose de educação financeira viria a calhar. Esses casos são meros exemplos. Cada um pode lembrar-se das situações em que teve que procurar auxílio de algum tipo de conhecimento específico que não possuía.

Na medida em que cresce a especialização e o conhecimento aumenta exponencialmente, tornamo-nos mais ignorantes. Isso não é um trocadilho ou um jogo de palavras. Quanto mais conhecimento existe, mais conhecimento me escapa – já que não estou capacitado para me apropriar de tudo (como gostaria). Então, a dimensão daquilo que ignoro cresce a cada nova descoberta científica. Na mesma proporção em que o conhecimento se amplia, o saber que cada um de nós possui diminui. Não porque passamos a saber menos do que sabíamos, mas porque passamos a saber uma parte menor de tudo aquilo que existe para saber. O avanço da ciência amplia nossa ignorância.

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E se sabemos cada vez menos, de tudo aquilo que os especialistas sabem no seu conjunto, como podemos promover nossa liberdade individual? Se a cada passo, quando agimos e tentamos resolver as dificuldades da vida, temos que procurar auxílio de quem sabe, tudo indica que nosso grau de dependência se ampliou com a expansão do conhecimento. Não é verdade que hoje estamos na dependência de um grande número de pessoas para tomarmos decisões que antes tomávamos sozinhos? Tudo indica que a expansão do conhecimento tem sufocado nossa liberdade.