Por que ficar velho em nossa sociedade é o fim

Ficar velho em nossa sociedade virou moeda corrente, pois esta gera velhos em abundância

Em vários tipos de sociedades antigas, os velhos eram objeto de grande consideração. Em condições difíceis de sobrevivência sua larga vida indicava alguém que conseguia superá-las e ter sucesso. O fato de haver vivido muito, no mínimo significava que os velhos tinham a manha e os paracatus. Por isso, a figura dos velhos estava associada com a sabedoria, com a posse de um conhecimento especial a que poucos tinham acesso. Afinal, onde poucos sobreviviam, só eles sabiam o que fazer para chegar lá.

A nossa sociedade gera velhos em abundância. Então, não se trata mais de alguém especial porque há velhos por toda parte. Foi o nosso sucesso em termos de sobrevivência que retirou dos velhos a aura da sabedoria, o caráter único de quem sabe o que fazer para se manter vivo em um ambiente hostil.

Hoje o ambiente é confortável e os velhos já não detêm nenhum conhecimento especial que os tenha tornado velhos. Tornar-se velho tornou-se algo fácil e acessível. O sinal mais evidente disso, é que qualquer idiota hoje se torna um velho. Eu mesmo já estou ficando velho e temo que isso não esteja ligado a nenhuma virtude de minha parte. Enfim, parece que ficar velho virou moeda corrente.

Mas não se trata apenas do deslocamento daquele tipo de sabedoria ligada à sobrevivência para o conhecimento técnico especializado, ligado aos jovens, típico de nossa sociedade atual. Houve um outro deslocamento talvez ainda mais importante com relação à velhice.

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Por que ficar velho em nossa sociedade é o fim

A sociedade em que vivemos é essencialmente produtiva. A dimensão existencial do trabalho ganhou ares especiais e passou a dominar os demais aspectos. Quem não produz praticamente não é membro da sociedade. Já foi inclusive proposto que apenas os trabalhadores deveriam ter direitos políticos, porque somente eles auxiliam a manter a sociedade em funcionamento. Claro que isso só vale se a sociedade for entendida como um arranjo essencialmente produtivo.

Como os velhos não produzem mais, não há lugar para eles nesse tipo de sociedade senão como peças de museu. A escassa consideração que existe em relação a eles diz respeito ao que eles foram e não ao que são. Eles são uma espécie de exemplo produtivo: são invejáveis porque produziram por muito tempo – coisa que nós também devemos fazer.

Na verdade, os velhos produzem em nós um sentimento de autopiedade, já que ele é gerado pelo cálculo de que um dia todos serão velhos. A aquela escassa consideração resulta apenas de nossa preocupação conosco no futuro, quando formos velhos e improdutivos. O fato cru é que hoje os velhos não possuem uma função socialmente reconhecida. Eles são inúteis dentro das sociedades em que vivemos. Como não produzem mais ou produzem pouco, seu valor é nulo ou pequeno. Ao contrário das crianças, outros improdutivos, eles não possuem uma vida útil pela frente e nada prometem.

Se há um aspecto que parece indicar que há algo de errado com o modo de vida que adotamos, acredito que isso está ligado ao papel que os velhos representam nela. Sob nenhum aspecto, que não seja um sentimentalismo barato ligado à autopiedade, há qualquer traço de relevância social para os velhos. Quem viveu muito, nada tem a oferecer a uma sociedade que produz. Talvez esteja aqui justamente o problema, a percepção de que somos uma sociedade que produz. Ou talvez eu não queira me aposentar.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie