por Sandra Vasques
"Minha esposa foi violentada pelo primeiro namorado quando tinha 18 anos. Após isso, ainda ficou com ele sete meses sendo violentada por medo da chantagem que ele fazia, dizendo que iria contar aos pais dela que havia sido ela quem quis perder a virgindade. Teve muitos problemas em relação ao sexo por esse motivo com outros três namorados e nunca atingiu o orgasmo com eles. Tinha repulsa ao sexo. Hoje estamos casados e ela com 38 anos. Temos uma ótima vida sexual e uma de suas fantasias, que lhe dá muito prazer, é ser violentada. Qual relação há com essa fantasia e as primeiras experiências sexuais que ela teve?"
Resposta: Fantasias são obras maravilhosas de nossa mente e a maneira como são construídas depende de vários aspectos: como percebemos o mundo no decorrer de nossa vida. O que nos parece estimulante; como aprendemos a lidar com o que nos dá prazer e está ao alcance de nossas mãos e como aprendemos a lidar com o que nos dá prazer, mas não é permitido. Também inclui o jeito como aprendemos a nos defender do que nos dá medo e gera tensão.
Para fantasiar é preciso se permitir imaginar, viajar na imaginação, e sendo capaz de diferenciar a realidade do sonho, não ter medo de viver situações que na vida real, jamais se permitiria, ou então, usar a fantasia para fazer um ensaio do que esperamos concretizar. Nela, é possível controlar as situações, transformar a realidade e interferir sobre a mesma da maneira como o nosso desejo quiser, podemos ser poderosos, indestrutíveis, soberanos. E depois, acordamos para a realidade e vamos viver com nossas limitações e possibilidades, na relação consigo e com os outros, o que é muito importante e sinal de saúde mental.
E o que pode significar a fantasia de ser violentada?
Algumas mulheres têm essa fantasia, o que não significa, de maneira alguma, que desejem ser violentadas na vida real. Quando um homem pratica a violência sexual, um crime, obriga a mulher a se submeter ao que ele quer. Ela não pode escolher se quer ou não participar daquele tipo de relação e experimentar aqueles tipos de carícias. Está impossibilitada de agir, de reagir, e mesmo que sinta prazer em função de algum estímulo, o mesmo não é sentido como algo bom e desejável, gerando em muitos casos culpa, vergonha, negação. E todo esse conjunto cruel de agressões gera, na maioria dos casos, traumas que realmente dificultam ou impedem no futuro, a vivência saudável da sexualidade.
Isso aconteceu com sua esposa durante algum tempo. No entanto, você disse que conseguiram superar essas dificuldades e têm uma vida sexual prazerosa. Que bom! Mas parece que incomoda aos dois o fato dela sentir muito prazer com uma fantasia que traz muitos aspectos do que um dia foi um grande desprazer.
Qual a diferença entre os sentimentos e situações vividos durante a violência real e agora na fantasia?
Em primeiro lugar o que é óbvio, agora é apenas uma fantasia, não acontece de verdade. Além disso, sua mulher escolhe o que e como quer viver e também com quem quer, com você, um parceiro em quem confia e deseja. E que ingredientes poderiam tornar estimulante para uma mulher, a fantasia de ser violentada?
Alguns deles seriam a possibilidade de fazer de conta que ela não está no comando do que acontece durante o sexo, que não escolhe estar ali em busca do prazer, que não escolhe viver certas carícias, mas sim é obrigada a vivê-las. E por que isso seria excitante? As mulheres ainda sofrem muito preconceito em relação ao sexo. Falar que gosta de sexo, que deseja certas caricias, que quer sentir prazer, ainda assusta muitos homens e não é bem visto pela sociedade. Como se esse tipo de mulher não fosse adequada para ser uma boa mãe e esposa.
Por incrível que pareça, isso ainda é bem comum. Assim, muitas mulheres não conseguem admitir, nem para si mesmas que desejam sentir prazer e como querem vivê-lo. Têm medo de não serem consideradas mulheres de valor, mulheres boas o suficiente para serem amadas e respeitadas. É claro que essa realidade tem mudado cada vez mais e o prazer feminino tem sido aceito e estimulado como algo positivo. Mas ainda é um processo de conquista. Assim, com essa fantasia, que tira dela a responsabilidade pelo prazer que sente, é provável que sua mulher, como outras, se permitam viver de maneira mais livre e com menos culpa, as sensações de prazer provocadas pelos carinhos e carícias de seus parceiros.
Mas quando ocorreu um fato anterior e concreto de violência, como no caso de sua esposa, a possibilidade de poder reviver uma situação semelhante, mas dessa vez tendo o controle e segurança do que está acontecendo, pode trazer certo conforto e prazer adicionais. No entanto, essas são algumas considerações, e não uma verdade absoluta, pois é preciso muito mais que a descrição de uma situação para entender como se organizam a mente e as emoções de uma pessoa. Além disso, pelo que você diz, sua esposa não tem apenas esse tipo de fantasia, nem tem prazer apenas dessa maneira. Isso indica que provavelmente têm uma vida sexual saudável.
Mas o fato mais positivo é que sua esposa tem se permitindo viver a sexualidade com prazer ao seu lado. Provavelmente você conseguiu transmitir a ela amor e confiança necessários para que ela desse esse passo junto com você. Então, se está bom para os dois, não há porque ficar procurando tantas razões. Aproveitem o que vocês conquistaram do jeito que for gostoso. Se for bom para os dois, se vocês respeitarem seus próprios limites e houver respeito um pelo outro, então, vivam o que houver pra viver.